20 – Luxo e Privilégio (Quando as Nuvens Dançam – Reflexões de Quarta-feira) 

_Mamãe, por que você está chorando?

Mahal para na minha frente, flagrando meu choro silencioso logo depois de eu terminar a leitura de um romance, o primeiro que li de uma escritora irlandesa que eu não conhecia antes. Ele já conhece bem essa minha tendência a me emocionar com certas obras, já chegou a me fazer reler várias vezes um livro em voz alta só para me ver chorando no fim. 

Eu suspiro. É sempre uma bênção quando um romance me toca, a emoção fica reverberando por meses e, dependendo da obra, pela vida inteira. Quando não consigo ler ou escrever por alguns dias, ou semanas, ando pelo mundo com uma sensação obscura de falta, mas as demandas do cotidiano às vezes são tão numerosas e intensas que não me sobra tempo nem energia para o que eu gosto realmente de fazer e tem pago uma boa parte das minhas contas. Descobri esses anos que meu trabalho é um luxo e um privilégio, ainda que fundamental para minha sanidade e sobrevivência. Por outro lado, quando consigo equilibrar e organizar o tempo, uma alegria suave se apodera das horas com o antegozo do livro que me espera, seja aquele que estou lendo ou escrevendo no momento. 

_Acabei de ler um romance e o final foi bem especial, respondo.

_Sobre o que é?

_Sobre pessoas comuns. Adultos que tiveram uma infância infeliz e, agora que cresceram, tentam entender como ser felizes. É mais difícil ser feliz quando não se tem a referência da infância, quando a gente não sabe como é ou o que é a felicidade.

_Você e papai não sabiam, não é mesmo?

_Não, a gente ainda está descobrindo. 

Mahal me abraça, pensa um pouco, sorri e anuncia:

_Pois eu tenho uma infância feliz! 

_Ah, que bom, meu amor…

E ele não imagina mesmo o quanto é incrível escutar isso, enquanto se levanta e já acha outra coisa para brincar. É como se, com essa frase singela, ele abraçasse os últimos dez anos, todas as noites em claro, a falta crônica de um tempo só meu, mencionada acima, a renúncia ao centro de minha própria existência, o passo a passo na noite escura que é educar um filho, sem saber se estou acertando, mas com a certeza de que erro muitas vezes. Na verdade, não somente meu trabalho se tornou um luxo e um privilégio. Absorvida nos cuidados do meu filho e agora também da minha mãe, a vida em si se elevou a essa categoria. Cada momento plenamente aproveitado é a maior das riquezas possíveis. A soma de todas essas escolhas dos últimos anos é o que meu filho hoje chama de felicidade. 

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