20 – Carta para Rita (Quando as Nuvens Dançam – Reflexões de Quarta-feira)

Querida Rita,

Obrigada. Eu não te conheço pessoalmente, mas meu coração te conhece, como o coração de todos aqueles que vibraram com você e sabem que você não morreu. Essa sua transformação, que com certeza é só mais uma das muitas transformações de sua vida, só tornou você mais viva e nutriu a sua vida no coração do mundo. Como você poderia morrer? Você é arte! Talvez você esteja rolando os olhos, onde quer que esteja, e pense que não vai demorar nada, nadinha mesmo, diante da idade e do tamanho do universo, para todo mundo esquecer seu nome. E tenho que te dar razão, a gente se esquece mesmo de tudo. Por outro lado, nada do que foi verdadeiramente sentido pode ser esquecido. Afinal, você conseguiu a maior de todas as proezas: você se tornou maior que você. Pode ser que, como você disse, acabem dando seu nome para alguma rua sem saída, mas mesmo assim você foi a saída de muitas ruas que não davam em lugar algum. Não estou falando do seu nome, é claro, nem só de sua música, mas de sua forma de musicar a vida e o que ela provocou na gente.

Para mim, você é a voz de toda uma época, como um fio de sonho que me puxava para longe dos grilhões do sistema que eu detestava, mas que parecia ser inescapável. Você falou daqueles sentimentos que me povoavam, deu um rumo para eles. Eu sabia que havia algo de estranho em mim, mas não imaginava que era a ovelha negra da família. Quando te ouvi, fez todo o sentido, ao mesmo tempo que foi um alívio. Entendi que somos muitas ovelhas negras espalhadas por aí. Algumas mais perdidas, outras mais espertas, mas pelo menos não estamos sós. Você também me fez perceber que o que eu queria mesmo era ser índia, viver pelada e pintada de verde. E olha só, ainda que eu não tenha alcançado esse sonho com perfeição, minha vida toda foi uma constante dança para me aproximar desse ideal. Agora mesmo, estou semi-pelada, de biquíni, alternando entre escrever e contemplar um jardim cheio de árvores da Mata Atlântica, um pequeno oásis que consegui preservar em meio a uma cidade pequena onde cada vez mais chegam condomínios vorazes e horripilantes que cortam e cimentam a alma do lugar.

Essa carta talvez seja mais para mim e para os loucos que a lerem do que para você. O que nós, meros mortais, poderíamos dizer para uma imortal? Bem, ainda que seja pouco, talvez você goste de saber que vamos seguir tentando ter nem que seja um pouquinho da sua deliciosa maluquice. Que você é uma dessas pessoas incríveis que nos dão esperança e fazem essa porra toda valer a pena. Vamos continuar remando nessa canoa furada, fazendo amor por telepatia, tomando banho de espuma num dolce farniente, incomodando o mundo com a nossa alegria, fazendo sanduíche de gente, nos empapuçando de amor, botando fogo nesse asilo, porque essa vida é muito louca e loucura pouca… é bobagem. 

Boa viagem, Rita. 

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