14 – O Mapa da Dor (Quando as Nuvens Dançam – Reflexões de Quarta-feira)

Há quem busque a dor e veja nela virtudes. São os sofredores e as vítimas de plantão, sempre dispostos a sofrer um pouquinho mais. Não sabem ficar bem, não admitem a própria ignorância e não querem aprender.

Há aqueles que fogem da dor e a demonizam, se entopem de remédios a cada incômodo, colocam um óculos cor-de-rosa e tentam a todo custo convencer, a si e aos outros, que a felicidade é de uma cor só. 

E se a dor não fosse boa nem ruim? E se ela fosse simplesmente uma linguagem, uma forma do corpo e da mente alertarem a consciência? E se, para entender o que a dor está dizendo, tivéssemos que ficar quietinhos e olhar para dentro?

Nenhuma dor é estática. A dor se move, ela muda, caminha e tem diferentes intensidades. Às vezes é uma dor de fundo, repetitiva, irritante, que nos fala de limites. Noutras é uma dor súbita e assustadora, que nos pede ação. 

Há as dores abissais, que exalam da impermanência dos momentos bonitos, ou as dores insistentes, como pedras no sapato, com que convivemos até que os ossos se quebrem e entendamos o valor dos dedos. Há também as dores agudas, insuportáveis, que nos imobilizam violentamente para nos despertar. E muitas mais. 

A dor fala de nascimento e morte, é parto, lento ou rápido, de algo novo, ao mesmo tempo que é morrer para o que foi antes. Ela nunca está isolada, nunca é de um órgão só. É uma partitura do corpo inteiro, da mente e do coração, são notas de sensibilidade, ondas com diferentes freqüências, que precisam umas das outras, não existem sozinhas, fazem parte do mesmo oceano, ainda que as outras estejam em silêncio. 

Uma nota tocada com muita insistência é aviso do que foi e anúncio do que está por vir. Faz parte de toda uma orquestra. Por isso, é preciso saber bem mais do que apenas conhecer bem as notas para recuperar a música perdida. Desconfie de quem diz saber tudo sobre a sua dor.

Amigue-se com ela, escute suas histórias, permita que ensine o que veio para ensinar e depois deixe-a partir. Caso tenha vindo para ficar, adote-a como mapa de navegação, converse com ela, pergunte-lhe qual o melhor caminho, negocie uma felicidade multicor, a única felicidade possível. Feita de dores e alegrias.