6 – por detrás dos óculos (Quando as Nuvens Dançam – Reflexões de Quarta-feira) 

Sem eles, não sou nada. Preciso sempre dessa fina janela entre mim e o mundo para poder atuar. São tantos anos de vista profundamente embaçada que muitas vezes me esqueço deles. Chego a procurá-los por toda a casa para encontrá-los aqui mesmo, em cima do nariz. Os óculos ou as lentes são isso: funcionamento. Tudo na vida gira em torno disso. Portanto, além de todos os medos e angústias, há sempre esse adicional: e se quebrarem quando mais preciso?

Dizem que miopia começa com a negação da realidade. Não queremos ver e, pouco a pouco, os olhos atendem nosso desejo mais profundo. O mundo ao redor vai ficando cada vez mais difuso, as cores transbordam das coisas, a luz se esparrama, os rostos perdem a expressão, toda matéria se dilui em impressões que escorrem umas nas outras. Os momentos se fluidificam, líquidas as sensações onde os contornos inexistem. Por fora, parecemos ser como os outros. Eles esperam que nós os vejamos, que os reconheçamos e cumprimentemos, e se irritam quando não o fazemos. Que pessoa mais arrogante, passa por mim sem me ver! Mas não é só você, querido. 

Ao andar pelas ruas, emito pensamentos de baixa ou alta frequência e me movimento sentindo os ecos dos corpos ao meu redor. Mesmo com a muleta ocular, mal vejo. Não sei nem nunca soube funcionar. A cegueira parcial é viver na fronteira. Por mais que eu aprenda a normalidade aparente, o abismo insondável está sempre presente. Vou apalpando a existência em busca do caminho mais suave. Os obstáculos reinam, eu sinto todos em meu corpo. Mas assim que abro os olhos e desisto de ver, eles se desmancham em energia sem nome e sem emoção. Quando o radar é amoroso, em meio à escuridão, só a alegria conduz. Abster-se de entender é começar a dançar. 

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