42 – A Visita dos Espíritos (Quando as Nuvens Dançam – Reflexões de Quarta-feira) 

Ontem fui deitar como tem sido ultimamente, em um misto de espanto pelos dias que passam a correr e a pura exaustão. Quando durmo assim, buscando recobrar as forças para aquilo que, espero, será mais um dia, o corpo todo se envolve nessa tarefa, deixando-me no escuro das noites puristas, sem sonhos e sem magia. É o corpo dos bichos, que faz o que tem que fazer até não conseguir mais e parar. Por isso mesmo, estranhei ao acordar na madrugada escura, ainda no meio-fio de um dos incontáveis mundos, paralelos e intangíveis. Uma casa de espíritos. 

Numa sala qualquer, clara e cheia de gente, alguém me disse para entrar em um quarto onde eles me atenderiam. Foi o que fiz e, de repente, lá estava eu, sozinha nas sombras dos meus pensamentos. Não demorou para a escuridão começar a se contorcer toda, como uma concha, fractal, espiralando noite adentro. Um medo profundo me apertou, um daqueles lugares que nos assustam sem sabermos exatamente por que. Diante de mim, abriu-se o tempo em uma paisagem radiante, um deserto emoldurado por montanhas, iluminadas por um sol intenso, e eu os vi, de costas para mim, separados em duas filas que olhavam para frente. Eu não entendia quantos eram, mas as fileiras perdiam-se ao longe. Logo, um por um, viraram-se como peças de um dominó etéreo. Eram grandes, obscuros e luminosos, mais que pessoas. Sem palavras, me questionaram. E eu, diante de tanta seriedade, não soube o que responder. 

Acordei, levantei, fui ao banheiro. Era como se ainda os sentisse, a eles e à sua presença contundente. Sem saber exatamente o que me haviam perguntado, tive a impressão que cobravam de mim o que eu queria. Eram rigorosos e vastos, dispostos a me dar o que quer que eu decidisse fazer com as próximas poucas horas humanas de que eu dispunha. E eu me senti aturdida, porque eles vinham da eternidade e queriam que eu, com aspirações gigantes, as enfiasse em medidas feitas de minutos e segundos. A primeira sensação foi a de ser reprovada em um teste. Contudo, quando a manhã chegou, após mais algumas horas de sono, tive que sorrir. Eles eram bravos, mas não me haviam abandonado, pelo contrário, estiveram aqui e queriam que eu deles me lembrasse. Apressei-me em tomar nota de que, de alguma forma, as prioridades sempre haveriam de caber no dia.

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