3 – Ando Devagar (Quando as Nuvens Dançam – Reflexões de Quarta-feira)

Não é à toa que com o tempo a gente vai ficando mais lento. Para um mundo obcecado por produtividade, isso pode parecer uma perda irreparável. Para mim, que sempre fui meio fora do mundo, a lentidão é a cereja do bolo, é o presente que o caminho dá para quem já caminhou bastante. Se já não tinha muita pressa antes, agora mesmo é que não tenho nenhuma. Faço o que dá, como dá, quando dá. Alguns argumentarão que viver assim leva ao ostracismo e à invisibilidade, e eles têm razão. É ir na contramão do movimento coletivo. A pergunta que se impõe, então, é: e daí? Se o que importa é fazer a sua parte, se servir a existência é o que nos move, qual a diferença? Ainda que queiram nos convencer a todo custo que nosso valor é mensurável e depende do quanto fazemos e ganhamos, dos seguidores e bens que temos, da nossa teimosia em ser mais fortes e melhor do que os outros, da capacidade de fabricar a sobrevivência, teimo em me rebelar contra essa visão mercantilista. Não creio que se possa mensurar a essência nesses termos, rejeito a precificação do ser.

Ando devagar porque gosto de olhar o que há em volta, amo parar e dar um abraço em quem cruza meu caminho, desfruto do anonimato de uma vida suave. Houve uma fase em que achei que tinha de falar muito e com muita gente para ser ouvida, o que me dava uma certa ansiedade, já que pressa mesmo eu não sabia ter. Era aquela sensação constante de não estar fazendo ou sendo o suficiente, de não estar à altura de mim mesma, ou do que eu achava que a vida pedia de mim. Quando eu via todo mundo me ultrapassando, todos tão seguros de serem tanta coisa enquanto eu não era nada do que pudesse me vangloriar, me sentia inútil. E aí, em vez de curar essa condição tão curiosa, ela foi se tornando crônica. Com a maternidade, o pouco que me puxava para fora desvaneceu e deu lugar às coisas muito pequenas, aos dedinhos dos pés e das mãos, aos soluços e engasgos do bebê, aos grãos de areia, ao plantio das sementes e às pétalas de flores. 

Como muitos, eu também admirava aquelas mães que queriam provar ao mundo que, como os homens, podiam ser bem-sucedidas lá fora e aqui dentro, mas para mim simplesmente não deu. O que estava dentro era grande demais, tão grandioso que eu nem sabia como alguém podia pensar em outra coisa que não fossem as imensas e microscópicas coreografias da vida interior. Como feminista, dizer algo assim pode até parecer heresia, mas ruim mesmo, para homens e mulheres, aliás, é quando o sistema nos obriga a correr contra o relógio o tempo todo dizendo que é para o nosso bem. Por isso, mudaram pesos e medidas e, de repente, “ser alguém” parecia estar cada vez mais distante de mim. Entrei ainda mais na caverna, que eu já conhecia, me encavernei com a naturalidade das ursas que hibernam. Anos depois, quando saí um pouquinho, tive que voltar a me amigar, com os raios de sol, com as palavras que buscam comunicar, com o desejo de voltar a caminhar. Ao dar os primeiros passos, entendi que o tempo não tinha passado só para os outros, também em mim tudo estava diferente, mais quieto, mais profundo. Percebi que a frustração e a angústia também podem mudar, à medida que a morte vai ficando mais viva. Entre um passo e outro, a vida está bem mais longe do que deveria ser e, talvez, muito mais perto do que é. 

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