50 – O Espírito do Natal (Quando as Nuvens Dançam – Reflexões de Quarta-feira)

_Mamãe, Papai Noel existe? – ele olha para mim do outro lado da mesa, com os olhos grandes de expectativa. Um silêncio desconfortável surge entre nós, dá para ouvir a minha respiração um pouco acelerada e o barulho do motor da geladeira. 

Não acredito que este momento chegou agora, poucos dias antes do Natal. Nunca pensei que teria que viver algo assim em minha vida. É o tipo de coisa em que a gente nunca pensa quando vai ter um filho. Na verdade, a gente não pensa em quase nada e as consequências da ignorância cospem na nossa cara todos os dias. Criar os filhos acaba sendo um grande teatro de improvisação com, em sua maioria, péssimos atores no elenco. 

E agora? Desde o início, tenho tentado ler bastante para educar meu menino da melhor maneira possível, ver vários vídeos e assistir palestras sobre o assunto. Todos os textos dizem que as perguntas costumam chegar quando a criança está pronta, quando atinge a maturidade necessária para receber as respostas, adaptadas à linguagem e ao universo dela, é claro, mas não por isso menos importantes. A sinceridade nesses momentos é essencial, afinal, meu filho tem oito anos, já sabe distinguir entre verdade e mentira, sabe quando está sendo enganado. Numa existência em que todos sofremos vários traumas inevitáveis, ser mãe se resume à tentativa desengonçada de evitar as dores desnecessárias e minimizar os danos. 

E agora? E agora? Não é a primeira vez que ele me faz esse tipo de pergunta, só que das outras vezes perguntou sobre personagens de filmes ou livros. É isso! Não preciso ser muito criativa, a resposta é a mesma! Tusso um pouquinho e arrisco responder:

_Não nesta dimensão, meu filho. – olho para ele muito séria, provavelmente bastante pálida também diante do tamanho da responsabilidade que o momento pede. Ele fica lívido, os olhos crescem ainda mais, os lábios tremem um pouco e ele me fuzila com o olhar antes de cravar em mim todas as flechas venenosas:

_Então ele não existe! E o Homem Aranha também não existe! O Homem Aranha, que veio para a minha festa de aniversário todos os anos, era só uma pessoa comum dizendo que era o Homem Aranha! Uma mentira! O Papai Noel, com quem eu tirei foto, era só um adulto dizendo que era o Papai Noel! Tudo em que acreditei, minha vida toda foi uma grande mentira!

Minha Nossa Senhora, como esse menino é dramático! Como a mãe e o pai dele, aliás. Não posso deixar de observar que, mesmo zangado, ele é muito bonito, assim, todo cheio de fervor e espanto, uma potência da natureza, o meu bebezinho. Como ele cresceu, já está com maneiras de homenzinho, vai dar ainda muita dor de cabeça, mas não é para isso que os educamos? Para serem questionadores e não aceitarem o status quo? Respiro fundo e tento não gaguejar, mostrar confiança e delicadeza em vez de terror absoluto:

_Não é bem assim, querido.

_Como não? E como é, então?

_Quando você era pequeno, tudo tinha que ser explicado com palavras bem simples. Agora que está maior, já podemos falar de outras dimensões e assuntos mais complicados. Agora já dá para entender que existem coisas que não enxergamos, mas que não deixam de existir por causa disso. Como o amor, por exemplo.

O rosto dele suaviza um pouco, mas a desconfiança ainda está lá, franzindo a sobrancelha e endurecendo o olhar. 

_O Papai Noel é um espírito. É o espírito natalino. – continuo, um pouco mais confiante.

_Mas eu não acredito em espíritos!

Sorrio para meu pequeno cientista:

_Você tem todo o direito de acreditar ou não acreditar no que quer que seja, mas eu acredito. Espíritos não são nada mais que energias. 

_Mas então não é o Papai Noel que dá os presentes?

_Bem, ele nos inspira a dar presentes, como o espírito do aniversário. São inspirações, como quando o Homem Aranha vem para a sua festa.

_Não é o Homem Aranha, é só um estranho vestido de Homem Aranha!

_Mas inspirado por ele, entende? Naquele momento, quando está vestido como Homem Aranha, ele representa, canaliza, incorpora, ele é o Homem Aranha, saca?

_Se não é o Papai Noel que dá os presentes, para que vou escrever uma carta para ele? Não adianta nem pedir aquele robô caro que eu quero porque, com inspiração ou sem inspiração, vocês não vão poder me dar o robô de qualquer jeito!

Touché. Dou uma risadinha nervosa. Dessa vez não tenho saída. 

_Provavelmente, não. – suspiro, derrotada. Mahal levanta muito chateado e vai para um canto lamber as feridas. Durante o dia, ele reclama sobre sua descoberta com o pai, as tias, até com a avó por telefone, desconcertando todo mundo. Ninguém sabe o que dizer, mas bate aquela tristezinha generalizada do tempo que passa e das crianças que crescem rápido demais. No entanto, ele não demora muito para se recuperar, antes de dormir já começa a me fazer mais perguntas:

_Mãe, você acha mesmo que existem mais dimensões?

_Claro. Acho que existem infinitas dimensões e muito mais coisas do que podemos ver ou entender com nossa mente limitada. 

_E Jesus Cristo, você acha que ele existiu?

Olho para ele, incrédula, pisco algumas vezes. Mãe do Céu. 

_Mahal, está na hora de dormir, não acha que já fez perguntas demais por hoje?

_Só mais essa perguntinha! Por favor, por favorzinho!

_Você quer saber se Jesus Cristo existiu?

_Ãhã.

Aiai, acho que estou precisando de um colo. A cara dele é toda atenção, como quando me imita ao escovar os dentes, fazendo os mesmos movimentos que eu e pedindo para bochecharmos e cuspirmos juntos. Penso que todos esses pequenos gestos, momentos fugazes e conversas fortuitas, que ele esquecerá rapidamente, não deixam de pavimentar o caminho e construir a fundação de quem ele será um dia. Passo a mão por seus cabelos fartos, o que adoro fazer, mesmo que às vezes ele reclame, e digo:

_Não sei. Tem gente que diz que sim, tem gente que diz que não. Para mim, o que importa é a mensagem que dizem que ele deixou. 

_Que mensagem?

_Bem, parece que ele acreditava que o amor é mais importante que tudo.

_Foi por isso que mataram ele?

_Isso já é mais uma pergunta, Mahal. Por hoje chega.

Ele se mete na cama e se cobre, deixando só os olhinhos de fora. Eu me deito um pouco ao lado dele, para fazermos juntos o ritual diário de agradecer e ler um livro. Logo, ele se vira para mim com seriedade:

_Eu também acho que o amor é mais importante que tudo, mamãe.

Fecho os olhos para guardar em mim as lágrimas que ameaçam cair, como se fossem pedrinhas preciosas da maternidade. Um dia, abrindo o baú do passado, gostaria de reencontrar o brilho delas.

_Então você entendeu o espírito do Natal.

Seus bracinhos me envolvem num abraço gigante e ele me dá muitos beijinhos na bochecha.

_Eu te amo, mamãe. 

_Eu também te amo, meu filho. 

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