1 ) Quando Olhei para Dentro

Quando olhei para dentro, entendi que tinha chegado aonde tinha que estar. Percebi como carícia o ar que eu normalmente não sentia, mas que me mantinha viva. Soltei as amarras do passado e não me preocupei com o futuro. Compreendi que estava pronta para receber as respostas que antes não tinha querido ou podido ouvir.

Quando olhei para dentro, o mundo de repente se adensou. A música brotou e eu cantei, sem me importar nem poder controlar o canto. Era mais forte que eu. O mantra chegou e pareceu que tinha estado sempre ali, antes de mim, a esperar por mim, me amparando a cada vez que eu caía. Olhei para as diferentes notas que saíam, como pinceladas sobre a tela, coloridas e vibrantes, e me surpreendi. Soltei na voz a tristeza amedrontada de ter cantado tão pouco em minha vida.

Quando olhei para dentro, a vida começou a ser vasta demais e eu já não cabia em mim. Fiquei assustada, transpirei ideias, certas e erradas, entrei na fogueira do não saber, senti de novo que estava ali onde, de vez em quando, volto a estar. Prestes a morrer.  Foi um fogo crescente e impiedoso, que chegou para queimar, e o que restava de mim queimava, com medo de acabar. Agarrei o mantra, como uma tábua em alto mar. Queria qualquer coisa, menos naufragar.

Quando olhei para dentro, já não podia mais cantar. Algo me calou e, quando dei por mim, estava a vomitar. Expeli os detalhes, o que eu sabia, no campo da visão interna, o inferno que eu fingia não ver, mas via. Entendi que o mantra era caminho e não salvação e que esse era o problema de toda religião. Quando esquecemos de nos religar e queremos ser salvos. De nós mesmos. Vi que querer que nos reconheçam é não se reconhecer e que o reconhecimento é dádiva para aquele que o sabe receber. Por fim, aceitei que dizer não é difícil para quem não sabe dizer sim ao que precisa e que todos os nãos silenciados são dores e enfermidades.

Quando olhei para dentro, eu me permiti deitar e olhar para as estrelas. E eram tantas, incontáveis, que tive que sorrir. Aquele sorriso que nasceu do fundo do céu, dentro de mim, era um esforço ao qual eu não estava acostumada. Ele exigiu espaço em meu rosto e soltura em meu corpo. E pediu que eu treinasse mais a alegria, sincera e desinteressada, a alegria das crianças e dos loucos, dos poucos que pouco precisam, dos que encantam e dos encantados, pois amar é um caminho e um treino, é uma bênção e uma escolha, uma folha que cai dançando, num mundo que não olha para dentro.

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