28 –  A Visita da Ansiedade (Quando as Nuvens Dançam – Reflexões de Quarta-feira) 


Ela me acordou no meio da noite e disse:

_Preciso falar com você. 

Não tinha como continuar dormindo, era uma visitante persistente que não ia desistir tão fácil assim. Sentei e olhei para ela. Pedi que me contasse a que veio e por que tinha me acordado. E foi isso que ela me contou:

_Não sei como vou viver mais um dia, uma semana, um mês. Não sei como cuidar de filho, mãe, relação, contas, bichos, casa, funcionários, compras, livros, sonhos. De mim. Não sei mais quem sou. Não faço a mínima ideia de como prosseguir daqui para frente. Só de pensar em tudo que tenho para fazer, minha respiração se acelera, tenho vontade de fugir. Não quero pensar, não quero ter que pensar, muito menos fazer. Quero é beber, comer, me anestesiar, me medicar, me distrair, sumir. Escapar, sabe? Só que, quando faço isso, tudo piora. Eu me culpo, sinto que estou fritando por dentro, que estou colocando minha saúde e minha vida em risco, enfim, o que há de mais precioso. E aí começo a sentir o tempo. Sinto o tempo escorrendo rápida e impiedosamente. A cada dia que passa há uma montanha de coisas por resolver e cada uma dessas coisas engole um pedaço grande da minha vida. A cada dia há uma montanha de pendências que só se acumulam. A cada passo que dou, dói um pouquinho mais, envelheço um pouquinho mais, morro um pouquinho mais. Sinto que não sou capaz. Tenho medo. Você pode me ajudar?

Pela fresta da cortina era possível entrever a luz branca do dia que nascia. A noite se abria como um livro querendo ser lido. Ou como a boca de um bebê que chora esperando para ser alimentado. Olhei para ela com carinho. Finalmente, eu disse:

_Não, não posso te ajudar. Mas posso te oferecer minha presença, minha escuta, sempre que você precisar, sempre que permitir. Posso te abraçar e admirar e entender. E te dizer que não é fácil mesmo. Talvez não ajude saber, mas você não está sozinha. O que você acaba de me contar é um resumo de uma das histórias da infinita história da humanidade. E nesse grande livro há histórias muito piores que a sua. Na verdade, elas estão acontecendo aqui, bem pertinho de você, como em todos os lugares habitados por seres humanos. Agora mesmo, há alguém dormindo na rua porque não tem uma casa onde dormir. Agora mesmo, há alguém que perdeu tudo e outra pessoa que está a ponto de perder. Há alguém se esvaindo em sangue em um hospital e, alguns metros adiante, uma mãe se rasgando inteira para que o filho possa nascer. Há também um paciente terminal lutando para respirar o último fio de ar antes de estremecer e falecer. E inúmeras outras pessoas passando por sofrimentos inimagináveis.

_Nossa, eu sei, é terrível! Por tudo isso também eu te acordei, entende? Olha a loucura generalizada! Olha o estado do mundo! 

_Sim, entendo. Mas, como você sabe, há também outras histórias. Como aquela, que você talvez tenha esquecido, de uma andarilha que caminhou por dias, semanas e meses em longos caminhos que pareciam não ter fim. Quando começou a caminhar, ela achava que não ia conseguir. Era uma viagem muito longa e ela nunca tinha viajado sozinha. Tinha apenas uma mochila pesada, não fazia a mínima ideia de como andaria por tantos quilômetros, dias e semanas sem desabar. Parecia impossível chegar aonde ela queria. 

_E como ela fez?

_Ela caminhou. Um passo depois do outro. Em vez de ter mais, como achava que precisava, teve que ter menos. Teve que se livrar do peso da mochila para poder caminhar. Ela resistiu, reclamou, chorou, mas soltou. O peso. E desfrutou. Das subidas e das descidas. E ardeu no sol, e tremeu na chuva. E caiu de joelhos, se esfolou inteira, gritou, silenciou. E rezou. E se levantou. E andou. 

_E aí?

_Não sei. A última vez que a vi, ela ainda estava caminhando. 

Os pássaros começaram a cantar. Minha visitante ficou quieta e transparente, como a escuridão, tocada pela luz do novo dia. Respirei a vida que se anunciava com o amanhecer. Levantei, lavei o rosto, sentei e escrevi.