Quando eu era pequena, fazia parte da privilegiadíssima parcela da população que frequentava escolas particulares. Comparadas com a grande maioria, que não tem acesso a uma educação de qualidade, minha irmã e eu éramos realmente muito afortunadas, mas lembro que mesmo assim minha mãe trabalhava muitíssimo para conseguir pagar as mensalidades e o material escolar. Meu padrasto foi transferido para a Alemanha e terminei o segundo grau numa ótima escola alemã. Escola pública. Hoje, muitos anos depois, era de se esperar que no Brasil a educação tivesse evoluído rumo a um ensino de qualidade acessível para todos. Infelizmente, não é o caso, pelo contrário. As boas escolas são ainda mais caras do que antes e acessíveis para uma parcela ainda menor da população. Para que uma criança possa estudar numa delas, é preciso pagar entre 1000 e 8000 reais mensais. Se pensarmos que trabalhadores que ganham até um salário mínimo constituem 38% e até dois salários, 70% da população, fica bem claro o desvario. Quem pode frequentar essas escolas?
A desigualdade é vergonhosa e gritante. Ainda mais diante do fato de que as escolas públicas brasileiras estão entre as de notas mais baixas no ranking mundial. 57% delas carecem de infraestrutura básica, muitos professores são despreparados, trabalham demais e não têm acesso a pedagogias inovadoras, além de serem mal pagos e infelizes. Nos piores casos, as crianças não têm nem mesmo o que comer em casa. A falta de participação e interesse de quem tem os meios financeiros em reivindicar melhoras contribui muito para essa situação. Afinal, se nossas escolas públicas fossem tão boas assim, ninguém ia querer colocar os filhos em escolas particulares, não é mesmo? Na Alemanha, por exemplo, todas as crianças, ricas e pobres, frequentam escolas públicas, apenas a minoria vai para as outras, pagas, muitas vezes consideradas ruins. Por que aqui não é assim? Por que aceitamos um sistema desumano que priva a maioria de uma educação de qualidade? Novamente, quando falo de nós, refiro-me a quem pode oferecer mais aos próprios filhos. Proporcionar as mesmas oportunidades, possibilitar uma vida digna, deveria ser um direito de todo cidadão e um dever de toda sociedade minimamente justa. Por que não lutamos por isso?
Para buscar a resposta a uma pergunta tão complexa, podemos olhar ao redor. Não é má vontade que faz as pessoas não se engajarem por um mundo melhor, pelo menos na maior parte das vezes não creio que seja. Provavelmente, tem mais a ver com uma profunda ignorância sistêmica. A postura das pessoas diante das mudanças climáticas, a dificuldade em mudar hábitos de consumo que estão literalmente matando o futuro, é um grande sinal de alarme. Não estamos bem. No dia a dia, todo mundo alterna entre exaustão e apatia, não tem tempo nem energia de questionar. Os poucos com uma condição financeira melhor, não são necessariamente capazes de questionar, estão ocupados demais consigo mesmos, não querem necessariamente que as coisas mudem. E não enxergam que essa atitude gera inúmeros problemas, pois foram educados, mal-educados, para isso. O que também nos leva a questionar o que está sendo ensinado nas assim chamadas “boas escolas”. Daqueles que questionam, que são ainda menos numerosos, apenas uma parcela ínfima tem a força para tentar fazer algo. Os resultados das injustiças e da falta de perspectivas, que se alastram, como o fogo nas florestas ou um vírus numa pandemia, nos atingem em forma de violência, falta de ética, destruição ambiental, desinformação, letargia generalizada em relação às prementes questões sociais e ambientais que nos afligem a todos. Estamos morrendo como espécie enquanto assistimos a vídeos engraçadinhos na Internet.
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Art by Amal Hamdany