36) Essa e Outras Primaveras (Quando as Nuvens Dançam – Reflexões de Quarta-Feira)
Certa vez, em Madri, estávamos passeando por um parque no centro da cidade. Andávamos de mãos dadas, o sol sorria e as flores se abriam em sequência. As árvores dançavam e a água jorrava da fonte do anjo caído. Nós também havíamos perdido nossas asas e buscávamos por elas, tentando ser aquilo que queríamos ver refletido nos olhos do outro. O verde aceso da grama e das copas ondulantes das estátuas que se erguiam da terra, com suas folhas cheias de olhos, testemunhas silenciosas de nós, tudo brilhava intensamente, como a superfície do lago que nos chamava na distância. Não sabíamos caminhar no amor, então meio que flutuávamos, impulsionados pela religiosidade atônita de quem percebe a imensidão. Deixar a terra firme era tão óbvio naqueles tempos e, logo, estávamos em uma canoa e ele remava para mim, como homem pleno, possuído pela existência, disposto a me levar com ele aonde quer que fosse.
Por quanto tempo navegamos não sei. A fluidez das coisas que mudam exigia um navegar constante que desbravávamos avidamente, mais em dança do que em saber, e não importava qual fosse o veículo, o importante era deixar-nos levar. Às vezes, em meio ao reluzir dos raios de sol sobre a água, que criavam jogos de sombras no rosto dele, eu me perguntava se era isso cair, e se a queda era inseparável da ascensão. A resposta era tão certa quanto a brisa que insistia em jogar uma mecha de meus cabelos sobre meus lábios, e eu a afastava suavemente, como quando alguém é revisitado por um pensamento e o esquece a seguir, sem perder o seu perfume. Pouco depois estávamos deitados na grama e ríamos. Pois as horas nos pertenciam, já que inexistiam no jardim dos prazeres. Era tão lúcido desejar, era soltar uma pipa ao vento e correr em círculos para acompanhar seu voo irrequieto e hipnótico. Essa luz que insistia em nos tocar, com seus dedos de calor, a nos envolver, nos fazia parar de vez em quando, irreversivelmente sugados para dentro do labirinto de beijos e peles, por um estar juntos no qual nos desfazíamos como o que havíamos sido antes de nos conhecermos.
Era assim, se encontrar, um florescer no outro, um queimar e arder e derreter, ser propulsado, expulsado de si, a estranha sensação de estar voltando ao mesmo tempo de estar partindo para sempre. Por isso caíamos no amor, porque já não havia a lei da gravidade, havia apenas uma saudade de estar ao avesso de tudo que conhecíamos até então. É isso viver? Perguntávamos, sem perguntar, porque não sabíamos mais pensar, mas investigávamos o desencontrar-se profundo que era simplesmente respirar acrescido do outro, sem nada entender. Havia a tristeza inegável da ausência que a presença mútua traz, essa intuição do fim que mora em todo começo. Ser feliz apesar daquela leveza insustentável não deixava de ser um ato de coragem, já que a felicidade sempre abraça o morrer que acompanha o nascer. Não sei por que, hoje, o equinócio de primavera trouxe de novo aqueles momentos, aquele passeio durante uma viagem em 2011. Talvez porque andei pensando no desabrochar. Pensei também nas células imaginativas que vencem o sistema imunológico da lagarta e a transformam em borboleta. Deve doer, mas o resultado é belo. Parece que não dá para escapar dessas quedas no amor que, um dia ou outro, acabam nos abrindo além de nós.