Primeiro morreu meu avô e alguns anos depois minha avó. Quando ela faleceu, fiquei hospedada em seu apartamento por alguns dias, onde a gente saía do quarto, seguia por um pequeno corredor até chegar à sala. Lembro ainda do que senti ao entrar no aposento vazio onde, antes, meu avô sempre ficava sentado no sofá, lendo algum jornal, e minha avó sentava à mesa, bebendo um café e contando alguma história. Não era apenas uma sala vazia. Havia um vazio na sala. Uma sensação de desamparo, o luto da amputação, quando o membro-fantasma fica ali, nem vivo nem morto, doendo ao avesso. Com o tempo, as lembranças se refinam, tornam-se mais suaves e acolhedoras, mas estão sempre lá, naquele vazio povoado, em algum lugar dentro da gente.
Hoje, quando estava quase anoitecendo, entrei na casa de minha mãe e fui até a cozinha. Ela não tinha acordado ainda. Geralmente, ela descansa após o almoço e acorda no fim da tarde. Realizei a costumeira coreografia: preparei um lanchinho, esquentei a sopa, fiz vitamina para meu filho e sanduíches para todos. Enquanto cozinhava, algumas vezes pensei nela. Será que está bem? Devo bater na porta de seu quarto? Não, com certeza não é nada. Não vou incomodar. Mais fundo, uma vozinha sussurrava: será que é agora? Será que é hoje? À medida que os anos passam, essa vozinha tem aparecido com mais frequência. Sabe aquele medo que nos acompanha sempre, de não vermos mais a pessoa amada? Pois é, hoje eu o senti.
A noite da alma chega, de uma forma ou de outra. Leve e sorrateira como o tempo. Pode ser até que eu parta antes de minha mãe, mas isso não muda a crescente fragilidade do que somos. Um pouco depois de eu ter sentido o toque gelado do vazio, sempre presente, sempre cheio de mistérios, ela acordou, veio até a cozinha. Estava bem, tinha descansado bastante. Continuei fazendo o que tinha para fazer. Fingi que não foi nada. Respirei fundo e segui em frente. O instante ficou ali, cravado na carne, uma dessas dores cumulativas, que só se aprofundam ao longo do tempo. De vez em quando, a picada necessária da mortalidade com certeza ajuda a superar a inevitável mesquinhez. É o preço inarredável de sermos feitos meio de carne, meio de sonhos. Mas que dói, dói.
Photo art by Christopher McKenney