14 – A Voz do Horror (Quando as Nuvens Dançam – Reflexões de Quarta-feira)
Matar os outros, matar a si mesmo. Matar, matar, matar. Tu já pensou em matar, te matar, matar o outro, matar o outro em ti, te matar no outro? Eu sou o menino. Eu sou o assassino. Em minha cabeça, só penso nisso. Matar, matar, matar. Mais nada. Vamo jogar, mano? Joguinho de monstrinho assassininho? É muito maneiro. Vai trabalhar, mamãe e papai, mas me deixa com meu celular, preu e os meus mano planejar quem vai morrer, quem vamo matar. Quem mandou não me abortar? Acho graça da ideia de acabar, sabia? Mal posso esperar! Acabar. Com tudo. Graça. Engraçado. Sangue escorrendo. Gente sofrendo. Noticiário, sirene, gritaria. Alguma coisa finalmente acontecendo. Parece que a gente só existe quando mata os outro. Quando se mata. Haha. A nossa desgraça é tão desgraçada que só quando machuca os outro que eles enxerga a gente, véio, mas ainda assim a verdade é que não veem a nossa desgraça. Uma danada, a tal da desgraça, pois todo mundo só enxerga a própria. Então que seja. Que se fodam todos. O que foi? Tu tá com ódio de mim? E acha que é novidade? Tu sempre teve ódio de mim, cara. Ódio de eu existir, eu que não caibo, eu que não sirvo pra nada dentro desse teu mundinho ridículo onde uns têm tudo e outros não têm nada. Você com tua familiazinha, com teu carrinho e tua casinha. É contigo mermo que tô falando. Bandido bom é bandido morto, certo? Não foi nisso que tu votou? Eu também votei nele. Agora toma! Vamo armar todo mundo, galera! De quem é a arma mais potente? Haha. Te peguei. Não é sempre o mais forte que ganha? Os países mais bacana não tão ameaçando a porra toda com bomba nuclear? Não com uma, mas com um montão de bomba que dá para acabar com uns sessenta planeta? Haha. Do caralho, véio. Quanto mais tu matar, mais poderoso tu é. Basta olhar pro mundo. Mas nem precisa ir tão longe. Aqui mermo, tu não vê os policial passando, todos prosa, fuzil na mão, olhando em volta, massacrando quem reclamar, quem não pagar, quem roubar, quem favelar. Fala a verdade, mano, os teus filhote branquinho vão sair nos jornal todo, a fotinho deles, dos papai e das mamãe chorando, mas os moleque da favela morre todo dia e ninguém nem sabe o nome deles. Esquecem no dia seguinte. Qual o fuzil mais comprido? Ah, aquele sim que é homem, olha o revólver dele! Viva! E eu que nem revólver tenho, dá pra acreditar? E mermo assim, arregacei com tudo. Pelo menos, assim a gente se diverte. Por isso, quero ser bandido bom, mortinho da silva. Me mata? Quero matar, quero morrer. Lá nos States que tão certo. Entrar nas escola, cortar o mal pela raiz. Quanto mais novo morrer, menor o sofrimento. Vamo libertar essa galera dessa merda! Não ter nascido, é isso que eu queria. Mas como não deu, como os FDP dos meus pais só pensaram neles mermo e me puseram aqui, agora que paguem. Vocês acham mermo que eu vou ficar estudando anos, trabalhando dez, doze hora por dia pra tirar um salário de merda, pra um dia me aposentar todo quebrado porque trabalhei demais, sem dinheiro pra pagar um seguro caro, esperando numa fila gigante pra ser operado de um câncer que com certeza mais cedo ou mais tarde vai me corroer o cérebro? Vocês acham mermo que essas criança merece isso? Vocês acham que essas escola e esses professor de merda ensinam alguma coisa para esses aluno idiota? A garotada só quer o recreio, só pensa em sair dali o mais rápido possível, acha um porre estudar. A maioria detesta a escola. Detesta, entendeu? E vocês ficam forçando a barra. E se acham ó tão generosos porque tão depositando seus filhinho nessas fábrica de escravo. E juram de pé juntinho que fazem por amor. Haha. Só querem se livrar deles. E aí se espantam quando eles começam a ficar mauzinho. Quando a raiva toma conta e eles perseguem os coleguinha, quando querem bater neles porque, afinal, o mundo é assim, né? Uns batendo nos outros e a escola torturando todo mundo, e se não é isso é o trabalho que tortura, ou então a falta de grana, que é pior ainda. Prova é todo esse povo tomando remédio. Já viu isso? Anti-depressivo na veia, meu irmão! Pros rico, porque pros pobre é crack. Haha. Farmácia dá dinheiro, mano, mas tem que criar mais doença pra fazer mais dinheiro. Taca açúcar nesses idiota! Vamo fazer uma propaganda de hambúrguer para criar mais probleminha de coração? Haha. Eita, povo filho da puta. E aí, vocês acham estranho. Quando a garotada começa a querer morrer. Ou matar. Quando não consegue mais aguentar e começa a surtar. Aí vocês choram. E ficam fulos da vida. E querem fazer o que? Matar a gente. Nós, os desajustado, os alienado, os surtado. Nós, que não cabemo na tua matemática, nas tuas continha bonitinha que não fecham no final do mês. Nos teus cartões de crédito estourado, nos teus sonhos plastificado. Nós, que somos a tua dívida humana, andando nas sombras das tuas conquista de araque, nas esquinas dos teus dias sem sentido, cobrando tudo aquilo que tu não tá fazendo nem vendo, por preguiça, por medo, porque prefere ignorar o que não consegue entender, o que não quer mudar. Quem mandou cagar no planeta? Quem mandou não te importar com nada nem ninguém além de tu e tua familiazinha? Pois que venham. Mas venham rápido. Morrer é tudo que a gente quer. Mas antes disso, nos aguardem. De onde a gente tá saindo, tem muitos como nós. A verdade é que a gente não morre. PQP. A gente não morre, cara! Somos imortal! Somos do mal! Os zumbis do teu mundinho vazio. Quanto mais vocês nos ignoram, prendem, xingam, matam, mais de nós aparecem.