2 – O Boneco de Neve (Quando as Nuvens Dançam – Reflexões de Quarta-feira)

Antes de voltar de uma viagem de quatro meses e meio, ainda imersos naqueles dias invernais em que as temperaturas estão um pouco acima ou muito abaixo de zero, as pessoas não saem de casa e ficam frequentemente confinadas diante das telas, fomos presenteados com um último dia de neve. Infelizmente para Mahal, não tivemos muita neve dessa vez, por isso decidimos sair pelo menos um pouco e brincar no quintal muito branco e frio. Como não podia deixar de ser, fizemos nosso primeiro pequeno boneco de neve, que ele chamou carinhosamente de “Snowy” ou “Nevadinho”. Foi “nosso” porque realmente não me lembro de ter feito um quando era pequena e desfrutei tanto quanto ele da brincadeira. Primeiro, cada um de nós fez sua própria bola de neve, rolando-a no chão para que crescesse, mas constatamos que o gelo não estava suficientemente firme para aquela técnica dar certo. Tínhamos que puxar a neve que havia em volta e compactá-la, como quando fazíamos castelos de areia. 

Logo, tínhamos duas bolinhas, uma um pouco maior do que a outra, que colocamos sobre a primeira. Mahal deu a ideia genial de usarmos grãos de café, recentemente torrados pelo tio, para os olhos, a boca e os botões do casaco do boneco. Experimentamos algumas alternativas, como agulhas do pinheiro, para o sorriso, mas era difícil fixar qualquer coisa na neve relativamente úmida, ficamos então com o café. Colhemos gravetos secos do chão para os braços, que ficaram bem levantados e acolhedores. Em seguida, veio o nariz. Não dava para simplesmente enfiar a cenoura na cara dele, o que ficou bem claro quando a cabeça caiu. Depois de devolvê-la ao seu lugar, sugeri inserir um graveto na cenoura, deixando uma parte de fora, o que facilitaria o encaixe. Era um nariz meio grande, mas deu certo, segundo Mahal, Snowy estava quase perfeito. Faltava só uma coisa. Para terminar, meu filho correu para dentro de casa e conseguiu ainda um daqueles gorros vermelhos de Papai Noel e um cachecol de pele sintética que eu tinha achado na rua e ficou adorável ao redor do que deveria ser o pescoço do boneco. 

Pronto. Ficamos alguns minutos ajoelhados diante de nossa criação, o frio não permitia muito mais do que isso. Ao entrarmos em casa, Mahal parou, encostou o nariz na janela e ainda ficou olhando longamente para Snowy até eu insistir que estava realmente na hora de dormir. No dia seguinte acordaríamos muito cedo e seriam 36 horas de viagem, com direito a exaustivas inspeções de segurança, longas esperas e três trocas de avião. Na cama, depois de poucas páginas de um livro, ele perguntou:

_Mãe, Snowy vai ficar bem?

_Sim, querido, ainda vai nevar por alguns dias.

Imediatamente, ele começou a chorar, um daqueles choros sentidos que dilaceram coração de uma mãe:

_ O que foi, meu filho?

_ Mas depois ele vai derreter! Eu nunca mais vou ver o Snowy, mãe!

_ Vai dar tudo certo. Nós fizemos a foto dele, Mahal.

_, Mas ele vai se dissolver, entende?

_ Ele é feito de neve e vai voltar para a neve. Sempre que fizermos um boneco de neve, ele terá um pouquinho do Snowy. 

Não adiantou muito, Mahal ainda se debulhou em lágrimas por alguns minutos antes de adormecer. Acolhi e respeitei o momento dele. Afinal, na vida há mesmo essas tristezas inevitáveis, é melhor aprender a lidar com elas com a suavidade de um abraço e alguém que nos entende. Não só compreendi o que ele estava dizendo, como chorei junto, em silêncio, até ele se apaziguar e adormecer em meus braços. Era verdade, nunca mais veríamos o Snowy, nunca mais Mahal teria oito anos, nunca mais faríamos um primeiro boneco de neve, ele nunca mais choraria daquele mesmo jeito abraçado a mim. São muitos “nunca mais”, esses tais momentos inesquecíveis, tecidos cuidadosamente com fios dourados de tempo, atenção, paciência, carinho, alegria, trabalho em equipe e muito, muito amor. Na madrugada, antes de sairmos para o aeroporto, Snowy ainda  estava lá, de braços abertos e sorriso de café, sozinho e comovente em meio ao quintal gélido. Mahal foi se despedir, deu um beijo e um abraço no amigo que, em toda a sua fragilidade aparentemente imóvel, pareceu acenar para nós. Um aceno da alma.