
Mais um ano. Quem tem obrigações, como uma hospedaria, por exemplo, ou simplesmente uma família, um trabalho por terminar, outros que estão à espera de recomeçar, e um mundo de detalhes por resolver, vai saber do que estou falando. A lista de afazeres não termina. Tenho que comprar, comprar, comprar. Arrumar, arrumar, arrumar. Preparar, preparar, preparar. Pagar, pagar, pagar. Cuidar, cuidar, cuidar. E repetir tudo não três, mas dezenas de vezes, para não esquecer nadinha do que tem que ser feito antes da contagem regressiva. É a corrida final, aquela que resumirá e representará todas as corridas do ano. Se eu chegar no próximo ano, ganharei a medalha dos sobreviventes, o mais desejado prêmio, sem o qual nada somos: um dia a mais.
Entre uma passada e outra, volta e meia eu paro. Não por muito tempo, senão tudo está perdido, mas é claro dá para parar nem que seja um pouquinho. Vejo que o céu nublou e um vento fresco levantou, espantando o sol desse momento, convidando a respirar antes da loucura. Percebo que estou mancando, a dor crônica incrustada ao corpo, e tento imitar aqueles que passam por mim, as pernas soltas conquistando cada passo com grande e inconsciente desenvoltura. Respiro fundo, desisto do desejo de funcionar com perfeição, pelo menos por enquanto, e volto a correr, quero dizer, claudicar, um passinho desengonçado de tartaruga depois do outro, pois correr já não faço há tempos.
A lentidão tem a vantagem de me permitir refletir, o que para alguns pode não ser vantajoso, daí talvez a aceleração generalizada. Ando devagar e penso no ano que passou a galope, como um cavalo selvagem que eu nem sei como eu cavalguei, mas de alguma forma misteriosa aconteceu, e até que foi bom, quando não estava péssimo. Mais ou menos assim. O que ficou? De um lado, um pouco de medo, afinal, a gente não passa por canais estreitos em chamas sem sequelas e sem a consciência de que, bem, a vida também é fogo e gosta muito de queimar. Por outro lado, aceitar isso é se amigar com nossa própria capacidade de arder e iluminar a dor, a nossa e a dos outros.
Bora brilhar, pessoal.
