(Quando as Nuvens Dançam – Reflexões de Quarta-feira)
Desde que Luciano morreu, Mahal não quis mais comer lá. Segundo ele, Luciano fazia a melhor tapioca da cidade. Não que ele tivesse provado muitas outras. Afinal, sempre que chegava do outro lado da Praça e via o amigo, saía correndo para abraçá-lo. Luciano abria os braços e aquele sorrisão, o cabelo branquinho emoldurando o rosto jovem e luminoso de quem, apesar de todos os desafios de uma vida longa, nunca havia perdido a alegria. Logo, o mestre preparava uma tapioca quentinha de queijo com coco ralado que meu filho devorava com gosto. De fato, tudo ali era tão saboroso e o cozinheiro tão simpático, que o point havia se tornado famoso entre os turistas e moradores. Não dava mesmo vontade de provar de mais ninguém. Mahal devia ter por volta de três anos quando começamos a frequentar o carrinho que ele chamou de “Tapioca do Ciano”, de propósito, e todos nós dávamos muitas risadas por isso. O nome ficou sendo Ciano a partir daquele dia.
Por isso, não foi de se espantar quando, já com nove anos de idade, Mahal decidiu fazer uma greve de tapiocas. Desde o triste falecimento de nosso amigo, há alguns meses, sempre que se aproximava do local, sem luzes, sem tapiocas, sem Ciano, meu menino fechava a cara, passava reto, cabisbaixo e ensimesmado. Continuou emburrado mesmo quando o carrinho voltou a abrir, agora sob os cuidados de Luciana, a filha muito gentil e herdeira do nome, dos segredos e receitas do pai. Um dia, parei bem em frente dela e sugeri para Mahal que ela também merecia nosso carinho e apoio, afinal, era filha de quem era. Contudo, ele continuou se negando, deu as costas e foi embora sem olhar para trás. Até que, passadas mais algumas semanas depois da fatalidade que afastou Mahal das tapiocas, ele enfim parou diante da moça, levantou o semblante e ficou olhando para ela, que retribuiu o olhar com muita empatia.
_Estive pensando em você, sabia? – ela disse, cuidadosa.
Mahal respondeu que não com a cabeça, sem dizer nada.
_Outro dia vi você subindo a ladeira com sua mãe e pensei em te oferecer uma tapioca.
_Mas eu tenho que pagar, não tenho? – ele questionou, desconfiado.
_Não, eu quero oferecer uma para você. Quero que você conheça as minhas tapiocas e decida se são tão boas quanto as do meu pai.
Mahal ficou quieto e pensou um pouco. Logo, perguntou:
_Você chorou quando ele morreu?
Os olhos dela se encheram de lágrimas:
_Eu ainda choro. Todos os dias.
Ficamos um momento em silêncio, sentindo a ausência dolorida que impregna tudo quando uma pessoa muito bacana se vai. Ela saiu de trás do carrinho, deu a volta e abriu os braços para Mahal, sem saber, mas sabendo, fazendo exatamente como o pai fazia. Por um instante, na quietude inexplicável dos abraços hereditários, tudo fez sentido novamente. O abraço da filha preencheu o vazio deixado pelo pai. Os dois se abraçaram, no meio da Praça, em frente ao velho-novo carrinho de tapioca, por alguns longos segundos. Depois disso, meu filho soltou amorosamente um passado feliz, sorriu para o futuro, provou e aprovou a tapioca da Ciana.