O entardecer reconcilia com o dia. O que não foi feito, terá de esperar, ou simplesmente não vai acontecer, e tudo bem, porque as cores estão se despedindo, o dia vai se calando e o mistério vence mais uma vez com a chegada do anoitecer. Para quem se põe a escutar, o silêncio fala mais alto. A vida se esvazia de sentidos e se enche de Deus, ou de tudo aquilo que a gente não entende porque não cabe em nosso repertório, cheio de horários e nomes prontos para cada coisa. É o morrer de cada dia. A não ser que, por medo do silêncio, queiramos nos enganar, fica muito mais difícil se convencer de qualquer coisa. A nitidez das certezas se perde. Não existe um interruptor que nos salve do escuro do mundo. É a oportunidade de se render, de não tentar dizer qualquer coisa só para ter o que falar, de parar de querer fazer parte para fazer parte do querer. Abrir-se no desejo de estar consigo, sem mais, como se não nos fosse permitido viver em nenhum outro momento senão este, e provavelmente não é, afinal, o que é viver senão justamente soltar nossos planos para ser finalmente o que o momento pede? É assustador esvaziar-se de si, é a constatação de que mais cedo ou mais tarde esse é o destino e não fará diferença estar ou não estar aqui, então morrer antes de morrer é quase rito de passagem, é estar confortável com a própria dissolução. Estranhamente, quando eu me dissolvo, eu me expando, aceito ser maior. Vou além dos confins do que penso e, de repente, ali onde não sou o que era, consigo sentir e recupero o direito de ser. Sou nuvem, sou vento, sou noite, sou estrela. Sou o universo aberto em profusão e o espaço em constante revolução. Por isso, se a noite que chega pudesse dizer algo, talvez fosse justamente isso: não deixe para depois o que pode ser agora.