(Quando as Nuvens Dançam – Reflexões de Quarta-feira)
Somos quatro pessoas andando na rua: dois colegas, um jovem que encontrei hoje pela primeira vez e eu. Depois de nos apresentarmos e conversarmos um pouco sobre o que nos trouxe aqui o rapaz nos confessa que essa é sua primeira reunião de trabalho desde um AVC que o deixou acamado por um tempo. Foi realmente como uma morte e um renascimento, ele diz. Essa informação, perturbadora, compartilhada da forma mais casual possível, nos rouba o ar por alguns segundos. Uma dimensão simbólica se abre entre nós. Trocamos algumas palavras sobre o acontecido antes de voltarmos o foco para o tema da reunião. Seguimos em frente. O rapaz fica um pouco para trás enquanto nós avançamos, envolvidos na conversa. De repente, tudo acontece muito rápido.
Quando nos viramos, ele está no chão, se debatendo em cima da calçada. Corremos até ele e caio de joelhos ao seu lado. Espumando abundantemente pela boca, ele tem os olhos revirados, os maxilares retesados, a pele rapidamente adquirindo uma cor arroxeada, todo o corpo atravessado por fortes espasmos musculares. Ergo a sua cabeça, meu colega puxa as pernas para que ele não se machuque, a outra corre para chamar uma ambulância. Tentamos acalmá-lo com palavras suaves enquanto buscamos conter seus membros agitados até que um carro para ao nosso lado, do qual descem alguns homens. Rapidamente, eles o levantam e ajudam a levá-lo para uma unidade de pronto atendimento. Meu colega vai com eles. Por alguns momentos, fico ali sozinha, parada na rua, olhando o vazio, o coração acelerado.
Pouco a pouco, recobro a normalidade, ciente das obrigações e dos horários, das contas por pagar e das tarefas por fazer. Ainda assim, fica a sensação peculiar de que tudo está por um triz e todos nós podemos parar de “funcionar”a qualquer momento. Dá vontade de gritar e ser muito mais do que alguém que “funciona”. Vontade de dizer o que importa, fazer o que importa, soltar o que não importa. Esses movimentos, aparentemente tão simples, são o maior desafio da existência, o único com poder suficiente de nos separar do limbo de uma vida mal vivida. O funcionar bem, em que se concentra a luta da maior parte da humanidade, não está funcionando. Queremos ser mais do que algo que se move a esmo até parar por puro esgotamento. Mais do que uma máquina bem regulada fadada a estragar. Não, não basta estar vivo. É preciso ser gigante para revolucionar a morte de cada instante.