(Quando as Nuvens Dançam – Reflexões de Quarta-feira)
Na minha cidade, uma cidadezinha praiana, tem uma esquina. E como esta específica esquina só tem uma, por enquanto, pois ainda é uma cidade pequenina. Já não é mais uma vila, não senhor, está crescendo muito rápido, é construção por todo lado. E a gente que já pisou em muito chão de terra, comeu muita poeira em dia de sol e se sujou à beça de lama em dia de chuva, fica às vezes com o olhar perdido diante do concreto que vai recobrindo tudo sem querer deixar nenhum verdinho para a gente respirar. Mas esquina do milhão só tem uma, por enquanto. Todo dia ela promete, 10, 50,100, até 200 milhões já vi prometer. E nela tem uma fila, que encolhe e cresce, mas nunca desaparece por completo.
Não tem quase ninguém que more aqui que já não tenha entrado nessa fila. Aposta no bolão que vai dar certo! Sabia que, da última vez, teve um único ganhador? Um frisson atravessa a fila inteira. Foi lá no outro estado, porque sempre é lá no outro estado, mas tudo bem. Um dia será aqui. O da frente comenta com aquele que está atrás e logo o assunto passa de boca em boca e o prêmio do sortudo vai ficando cada vez maior. Ah, se fosse eu que ganhasse tudo isso! Uma pessoa coça a cabeça e franze a testa, tentando imaginar a dinheirama, a outra dá um suspiro profundo, tão profundo que até baba um pouco, a terceira já planeja exatamente onde investiria cada um dos muitos milhões, os dedos dançando no chinelo. Primeiro, eu resolveria todos os problemas, depois, ah, depois! Faria todas essas coisas incríveis, ajudaria tanta gente, compraria, viajaria…. Dessa vez, eu consigo! Se uma pessoa conseguiu, então eu também posso.
Na minha cidade, tem uma esquina de promessas e desejos onde as pessoas param para sonhar com uma vida melhor. Um sonho quase impossível, mas tudo é possível na esquina do quase milhão. Será sonho, esperança, engano? Será que elas seriam felizes se ganhassem? Ou será que a felicidade sonhada é mais feliz? Perto da fila tem sempre um mendigo diferente esperando com um copinho. O milhão dele são as moedas que sobram das apostas dos outros, o sonho dele é um copo cheio. Vai ver que a esquina do milhão é uma espécie de monstro invisível que come sonhos e vai engordando, engordando; por isso, tem sempre tantos milhões. Enquanto as pessoas dormem acordadas, mais uma mata é cortada, mais uma estrada cimentada, mais um rio poluído. Quanto mais destruição, mais quente, mais difícil, mais catástrofes, mais pobreza, mais necessidade. E o mundo vai tendo cada vez mais esquinas de ilusão, vazias de promessas cheias, cheias de promessas vazias.