Semana passada minha mãe sofreu o famoso golpe do Whatsapp. Alguém enviou uma mensagem se passando por mim, escolheu uma foto minha para o celular, uma foto linda, aliás, sob um céu muito estrelado, explicou que tinha um novo número por causa do trabalho, dirigiu-se a ela como “mãe”. Disse que era uma emergência, pediu para ela transferir dinheiro, insistiu que pagaria tudo no dia seguinte. Demorou para minha mãe entender que a pessoa não era a filha, a filhinha querida, que normalmente não faz esse tipo de coisa, deve estar precisando muito, coitada. Era o lobo mau. Desde então, está meio que em choque. Tudo muito estressante e difícil para uma senhora idosa. A pressão aumentou, anda pela casa ofegante, como se não achasse o ar para respirar, não consegue falar no assunto sem se sentir indisposta, mal dorme de tanta ansiedade.
Outra cena: hoje de manhã, abri as redes sociais e numa delas vi um jovem deputado afirmando que uma operação da Polícia Militar que matou pelo menos 16 pessoas não foi uma “chacina, mas uma faxina”. Em seu discurso, ele afirmou, sem vergonha alguma: “morreram 10, que morram 100”, já que, nos confrontos da polícia com os bandidos, ele sempre “torce” pela polícia. Ele realmente falou isso. Tive que repetir o vídeo algumas vezes, pois às vezes fica difícil de acreditar que certas coisas existem, por mais que saibamos das infinitas possibilidades e existências que se manifestam em nosso mundo. Esse rapaz se apresenta como um “cristão de direita, armamentista e defensor da família”. Não vou nem mesmo entrar nas nuances e contradições de tudo isso, basta dizer que senti náusea e imensa tristeza ao escutar as afirmações de alguém que diz representar e querer o bem, ainda mais por saber que muita gente apoia essa forma de pensar.
A indiferença é um poço bem profundo. Nela cabe o ladrão, virtual ou não, que não se importa com a senhora idosa do outro lado da linha ou com quem quer que ele queira roubar, cabe o traficante que não hesita em matar qualquer um por dinheiro, cabe o cidadão que se diz cristão, do bem, e não se importa com as vidas de toda uma parcela da sociedade, cabe o armamentista que não se importa que inocentes morram por uso das armas, cabe o defensor da família que não se importa, e até mesmo repudia, famílias que não se encaixam na sua ideia do que é uma família, cabe o patriota que não se importa em usar um lema que é a tradução literal de um lema nazista, cabe o economista que não se importa em reduzir as pessoas a números, como se uma pessoa valesse mais ou menos do que outras pessoas, cabe o ativista que não se importa de onde vêm os bichos que ele come, cabe o pedestre que não se importa ao ver uma criança dormindo na rua. E por aí vai, a lista é infinita. Há muitos níveis e mundos inteiros na indiferença, todos nós sofremos nem que seja um pouco disso e é muito difícil sair dessa condição.
Empatia é uma conquista ao avesso, é a anti-conquista. É quando a consciência joga luz sobre as sombras. É quando a gente para de competir, de querer ser melhor do que os outros. Quando a gente entende que é preciso se libertar de si mesmo para conseguir chegar até o outro e descobrir que todo outro tem um pouco da gente. Quem descobre isso, nunca mais consegue ser completamente indiferente, nunca mais é leviano a ponto de afirmar que pessoas assim ou assado merecem isso ou aquilo, como se desse para ter respostas prontas pra tudo, como se fosse possível colocar gente em caixas e não houvesse toda uma história por detrás de cada um que cruza nosso caminho, como se cada pessoa não tivesse uma mãe e um pai, um percurso desde o nascimento e até antes disso, toda uma rota ancestral de dor e sofrimento que a trouxe até aqui. Um caminho digno de respeito e estudo simplesmente por ser vida humana.
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