Na minha família e no meu círculo próximo de amigos, tive alguns casos de pessoas que ficaram mal por muito tempo. Uma delas, por exemplo, começou com rompantes de tristeza, não conseguia mais “funcionar”na sociedade, desenvolveu uma espécie de mania de perseguição, achava que todos estavam contra ela, julgava todo mundo, foi ficando cada vez mais isolada, vivia num mundo obscuro. Eu não a conhecia bem, não vivia na sua cidade, mas a única vez que a encontrei em anos, senti que não estava nada bem e precisava de ajuda. Pedi para alertarem aqueles que estavam mais próximos. Só que estavam todos ocupados demais com a própria vida para poder tentar tirá-la daquele inferno. Ela se matou, passou mais de um mês morta no próprio apartamento antes que descobrissem o seu corpo. Não estou apontando para culpados nem afirmando que teria sido possível evitar o pior. Tampouco digo que precisamos naufragar com aqueles que estão afundando. Mas é fato que, mais do que tristeza, estamos sofrendo de um individualismo crônico que leva a inúmeras doenças, que já é uma doença em si. Uma doença terrível. Enquanto continuarmos fugindo desesperadamente das sombras, nossas e dos outros, e não nos dermos o tempo e o trabalho de olhar para elas, nunca alcançaremos a nossa ó tão desejada felicidade.
Estou cansada de ver postagens ou ouvir pessoas que se consideram do “bem” que afirmam que devemos nos afastar de “pessoas negativas”, como se isso fosse um mandamento a ser seguido caso queiramos ter “sucesso”na vida. Afinal, quantas pessoas são “positivas”o tempo todo? Quem nunca passou por uma fase ruim? Quem nunca ficou doente de tristeza? Quantas pessoas morrem de tristeza? Mais de 700 mil pessoas cometem suicídio por ano no mundo. Isso é muita gente. No Brasil, existem mais de 281000 moradores de rua em situação de total miséria e abandono. A depressão já está sendo considerada a epidemia do século por alguns estudos. Estima-se que mais de 300 milhões de pessoas sofrem de depressão no mundo. 300 milhões. Só aqui no Brasil, é mais que 10% da população, ou seja, mais que 20 milhões de pessoas. 20 milhões. E quais os sintomas iniciais da depressão? Pensamentos negativos. A tristeza crônica é, como a miséria, um problema de saúde pública, algo que nos diz respeito a todos. Um efeito coletivo de uma causa coletiva. Somos co-responsáveis por um mundo em que tanta gente está sofrendo.
Para os doutrinadores de bem-estar, acho que vale lembrar que não, a tristeza não é uma escolha consciente. Não dá para simplesmente repetir mil vezes “sou feliz” e, de repente, acreditar que de fato o somos. Pelo contrário, conseguir viver em paz, estar realmente bem, é um privilégio de poucos. A maioria que diz estar bem e prega que nos afastemos de todos que estão mal tem telhado de vidro, na verdade, foge de quem tem problemas porque tem medo do próprio reflexo, medo de não conseguir continuar fugindo e fingindo uma falsa felicidade que não convence ninguém, nem ao espelho, nem às redes sociais. E tudo bem, se você não consegue lidar com a infelicidade alheia porque seu buraco é mais fundo do que ousa admitir, ou se você realmente não tem meios de ajudar, você tem razão em se afastar de quem quer que não corresponda ao que queira neste momento. Mas não venha doutrinar os outros a abandonar aqueles que precisam de ajuda, como se a sua verdade fosse levar todos a uma espécie de paraíso sorridente. Não vai. Basta o chão sacudir para você desmoronar, meu caro.