Comprei uma passagem de avião de uma empresa online. Já tinha comprado ali outras vezes e nunca tive problemas. Até agora. Desta vez, por não ter certeza de que viajaria na data escolhida, resolvi pegar uma passagem um pouco mais cara que oferecia a opção de cancelamento com 100 por cento de reembolso. Acabei tendo que cancelar a passagem dois dias antes da viagem. Começou o drama. Entrei em contato com a empresa via Whatsapp. Primeiro, pedem o número da sua reserva para depois conectarem você com um atendente. Entre cada frase que você troca com o robô e, logo depois, com o atendente, há uma pausa de vários minutos. Você tem que ficar muito atento, não ter outra coisa para fazer, dar continuidade assim que recebe uma resposta, caso contrário pode perder a conexão e ter quer começar tudo de novo, o que já me aconteceu em outras ocasiões, como, por exemplo, em ligações extenuantes para agências bancárias, tendo que passar primeiro por um exército de perguntas automáticas. Fiquei “esperta”, não saí de perto da conversa por nem um minuto, o que significa que dessa vez passei mais de meia hora entre troca de mensagens e espera pelas próximas mensagens. Até aí tudo bem, ainda foi aceitável, por mais que você fique se perguntando porque não é possível simplesmente falar no viva-voz com o atendente e resolver a história de uma vez e rapidamente. Provavelmente, ele está atendendo vários clientes ao mesmo tempo e fazendo todos esperar.
Enfim, depois de um toma lá dá cá de perguntas e respostas, o fulano me garantiu que estava tudo bem, sem problema algum, e o cancelamento havia sido solicitado. Só restava eu concordar com o detalhe de que eu teria que pagar uma taxa para cancelar e o dinheiro da passagem me seria reembolsado nas três próximas faturas do cartão. Ãh? Mas não estava anunciado que era 100 por cento de reembolso? E que história é essa de reembolsar em três faturas, ou seja três meses? Será que era porque eu tinha combinado um pagamento parcelado em duas vezes? Será que tudo isso estava escrito naqueles chatíssimos termos e condições, em letras ínfimas e hieróglifos judiciais, de modo que quase ninguém tenha paciência e o tempo de lê-los antes de clicar e dar prosseguimento ao que se quer fazer? Uma espécie de vingança a crédito para aqueles que resolvem não voar? Não seria muito mais fácil simplesmente cancelarem o pagamento e não ter que haver reembolso, já que o dinheiro ainda não havia saído da conta? Aquilo me soou mal, mas como geralmente prefiro evitar problemas, aceitei, afinal, era uma taxa pequena e o dinheiro seria reembolsado, ainda que aos poucos.
No dia seguinte, por sorte, abri meu e-mail, o que não faço necessariamente todos os dias. Para minha surpresa, descobri dois e-mails da companhia em que afirmavam ter tentado entrar em contato comigo via telefone e, como não conseguiram me alcançar e confirmar o procedimento, a solicitação de cancelamento havia sido cancelada. Só que ninguém havia me informado que eles fariam isso, caso contrário eu teria explicado que estava no exterior e sem telefone no momento. Irritada, lá fui eu de novo. Abri o site da companhia e tentei cancelar eu mesma, mas novamente não consegui. Respirei fundo, me preparando para mais uma maratona de perguntas e respostas lentíssimas. Dessa vez, abri logo duas conversas ao mesmo tempo, uma via chat e uma via Whatsapp. Talvez tivesse mais sorte e alguém me respondesse mais rápido. No entanto, como da primeira vez, com as duas atendentes, a longa espera entre uma resposta e outra foi absurda e terrivelmente desrespeitosa. O máximo que consegui fazer enquanto esperava foi ler um pouco do jornal online, no celular, ainda que sempre tensa e voltando constantemente aos chats no computador por medo de perder o fio e ter que recomeçar do zero.
No final das contas, depois de muitas idas e vindas, as atendentes me explicaram que o check-in da viagem já havia sido feito automaticamente por estarmos a menos de 48 horas da viagem e, por isso, eu não estava mais conseguindo cancelar. A moça do WhatsApp me garantiu, após repetidos e irritantes pedidos de “aguarde um pouco, por favor”, que havia refeito a solicitação de cancelamento, mas que esta ainda estava sendo processada pelo sistema. Sugeriu que durante o dia eu entrasse algumas vezes no site até conseguir confirmar que havia dado certo. Perguntei de novo se o cancelamento estava realmente garantido, pois eu não queria ter mais uma surpresa no dia seguinte, dia da viagem, e correr o risco de perder todo o dinheiro. Ela confirmou que estava tudo certo e a soma com certeza me seria devolvida.
Ao mesmo tempo, a outra funcionária estava demorando mais acabou por me informar que, primeiro, se eu cancelasse, eu só receberia uma pequena taxa reembolsada, depois, na mesma resposta, algumas frases mais adiante, me disse que eu receberia sim todo o dinheiro, mas que, de qualquer maneira, o sistema não estava aceitando fazer o cancelamento. Tive a desagradável impressão de que as próprias atendentes não sabiam muito bem o que estavam fazendo, eram só marionetes de uma máquina de comer dinheiro. Por via das dúvidas, fui pesquisar online para ver se havia outros casos como o meu. Para meu horror, vi várias reclamações de mal atendimento por esta empresa, especificamente em casos de cancelamento, sendo que em uma delas a pessoa afirmava ter esperado e não recebido o estorno por mais de um ano. Voltei rapidamente para o chat com a segunda atendente e perguntei se eu poderia remarcar a passagem pagando a taxa necessária, obviamente. Mais espera, mais mensagens, mais bláblá , mais dinheiro gasto e, finalmente, consegui remarcar. Senti vontade de terminar a conversa com a pergunta se todo aquele calvário era por má fé da companhia, afinal, de acordo com o título do anúncio, em negrito, do que eu havia comprado, deveria ser infinitamente mais fácil cancelar e receber o dinheiro de volta, mas desisti. Eu não queria esperar uma eternidade por uma resposta que, com certeza, não seria satisfatória.
Depois de tudo isso, tive uma súbita alucinação em que me vi estudando direito só para poder processar todas essas empresas desumanas e robotizadas. A verdade é que eu mesma sempre acabo optando pelo caminho menos difícil, que toma menos tempo, e imagino que a maioria das pessoas faça o mesmo. As pessoas têm um trabalho, uma família, uma vida para cuidar e não podem se dar o luxo de perseguir gigantes financeiros em lutas que muito provavelmente perderão caso não tenham os meios, o conhecimento e o preparo necessário para serem ouvidas pela justiça. Ou seja, apostando nisso, na falta de tempo e dinheiro da maioria para lidar com chatices monumentais e perversas, as grandes empresas e os bancos enriquecem horrores às nossas custas, nos roubando rios de dinheiro, tempo e humanidade.
O que fazer em um mundo em que a injustiça e a falta de ética foram institucionalizadas ao longo dos séculos? Teoricamente, temos o direito de nos levantar e reclamar, mas de onde tirar as forças e a vontade? Desde o nascimento, nas escolas e outras instituições, no seio da família humana, que se submete há milênios, estamos constantemente sujeitos ao motor que possibilita todo tipo de contravenção. Qual castigo poderia estar à altura dos crimes do poder ou seria a impotência, intrínseca à experiência humana, o castigo inevitável? Ou ainda, deveríamos aceitar as nossas limitações, sem diminuir suas implicações, sem deixar de observar o desperdício terrível e constante de força vital e preciosa, que o sistema nos impõe? Sinceramente, não sei. Por mais insignificante que pareça, resta-nos levantar a cada dia, desfrutar do pouco ou muito que nos cabe e fazer nossa parte. Se confiarmos no processo, ainda que surreal e injusto muitas vezes, pode ser que o caminho nos traga, pelo menos, um pouquinho mais de consciência e compaixão.