6 – Mais Um Carnaval (Quando as Nuvens Dançam – Reflexões de Quarta-feira)
Só de pensar em sair, dá a maior preguiça. A troco de que vou para a rua, que agora já deve estar apinhada de gente, nem sei de onde sai todo esse mundo de degenerados que só pensa em beber e pular alucinadamente ao som de qualquer coisa. Convenhamos que muitas vezes é só isso mesmo, qualquer coisa, ninguém está nem escutando direito, não se sabe se é música ou barulho, ou os dois, o importante é que seja ensurdecedor ao ponto de que a pessoa não consiga mais entender absolutamente nada, nem a si nem ao outro e assim, pelo menos, por algumas horas, por aderir à loucura generalizada, por ter se transformado nela, não tem que resolver nada nem lembrar das idiotices de cada dia.
Só que as horas vão passando, a noite vem chegando, e eu sei que não tem como fugir. Assim que falaram no tema, sobre luzes ou tudo que brilha, como ouro ou prata, eu já sabia o que ia vestir, tinha aquela peruca vitoriana que nunca havia usado, o vestido de paetês de segunda mão, sempre perfeito para alguma festa espalhafatosa. Meu marido veio segurando a máscara veneziana cuja existência eu até tinha esquecido, preta com detalhes dourados e acobreados, uma flor negra de tecido e penas, e uma haste para cobrir e descobrir o rosto com desenvoltura e elegância. Bastava um colar e uma pulseira de pérolas falsas, um anel gigante, uma maquiagem carregada, uma havaiana com glitter, bastante purpurina no rosto e nos braços, e o personagem estava montado.
E aí é ligar o piloto automático, ir até a rua principal da cidadezinha, ao ponto marcado onde os blocos se concentram, porque carnaval mesmo é de rua, a bateria ribombando na veia, me perdoem os que amam trio elétrico, não se compara ao deleite das multidões que vão andando em transe atrás das bandinhas, do tamborim, bumbo, trombone, repinique, e por aí vai, serpenteando as ruas com alegria puríssima, deseletrizada e eletrizante. A gente vai chegando e entrando no universo carnavalesco, estão todos a postos, os travestis, as drags, os super heróis, as fadas e bruxas, os espíritos da natureza, os bêbados de plantão, que obviamente não podem faltar, os machos alfa sem camisa com barriga tanquinho, as divas seminuas, as deusas míticas, e o povo que vem subindo da praia e não está nem aí, só quer beber, pular e se divertir.
É só se atirar ao rio de gente e o calor se intensifica, a expectativa aumenta, o burburinho cresce como uma onda de ansiedade que vai tomando conta dos corpos, alguns se remexem nervosos, outros boiam em tédio atordoado, não conseguem mais manter a pose, tudo está prestes a explodir até que vem o primeiro “bum”, seguido de outro e mais outro. Pronto. Ninguém se pertence mais, para cima e para baixo saltitam alguns, os mais ousados pulam em zigue-zague, há aquelas que são todas bumbum e cadeiras requebrando-se, os que sorriem com olhos vidrados, tem os que babam, que gritam sem saber por que, que cantam junto, afinados e desafinados, tanto faz, espaço há de haver para todo mundo, e se não houver a gente cria, até para os mortos, que passam esvoaçando em turbilhão dançante, não querem nem saber, já que hoje as dimensões se encontram, ninguém precisa de relógio, afinal, é disso mesmo que se trata, de parar o tempo e se sentir vivíssimo. É isso, eu penso sem pensar, sacudindo ou sendo sacudida, suando de alegria, dando uns amassos no namorido, bebendo uma boa dose de euforia, rindo de boba mesmo, é disso que eu estava precisando.