Somos poucas mulheres ao redor de uma fogueira que já queima com força na fronteira do dia com a noite. Dentro do fogo, crepita a lenha e as pedras ficam cada vez mais quentes até chegarem ao desejado ponto de incandescência, antes de serem carregadas para dentro da tenda. Ajudamos a cobrir de cobertores a estrutura construída com materiais naturais. Fazemos uma pequena roda de apresentação em que damos voz ao que nos traz aqui, cada uma com seus anseios e dores.
Hoje seremos guiadas por Adelia, dançante da lua, terapeuta e andarilha espiritual, abuelita querida e amiga do coração. Antes de entrar engatinhando na tenda completamente escura, cada uma de nós é defumada com um incensório. Lá dentro, escutamos e recitamos a oração ao Grande Espírito, sentadas em círculo ao redor do buraco que abrigará as pedras em brasa. Não estou tensa, pois já passei por essa experiência outras vezes, ainda que cada ritual seja único e nunca possamos saber o que nos espera.
Na minha primeira vez, fui como tradutora para um grupo de alemães. Assim que subiu a primeira onda de vapor, me esqueci de onde estava e de minha função. Foi como um flash e senti que não tinha mais ar, o rosto ardia, o corpo todo em alerta, como se estivesse sufocando e queimando ao mesmo tempo. Voltei para um lugar sombrio, que me deu vontade de levantar e sair correndo, mas algo me segurou ali. Foi quando eu me vi. Eu era bebê, tinha por volta dos dois meses de idade, em plena crise de bronquiolite. Não conseguia respirar, chorava muito, e todos me olhavam preocupados.
Logo, lembrei da instrução do xamã, de aproximar o rosto do chão, geralmente mais fresco, caso o calor fosse muito difícil de suportar. Baixei minha cabeça e aspirei com força, respirei fundo aquele cheiro muito antigo. Tudo ali evocava algo profundo, uma sensação enraizada no sangue. Cheiro de rochas fumegando, de ervas purificando. Cheiro de vida. A terra me ajudou a respirar. O fogo, o ar, a água, a terra me ajudaram a curar. Meu medo se abriu. Fiquei surpresa com a firmeza do curandeiro, que passou o tempo todo sentado enquanto regava as pedras com água de ervas, cantava e tocava seu tambor, ou nos dava algum ensinamento que eu traduzia assim que possível. Saí dali energizada e muito mais leve.
Adelia chama a primeira leva de sete pedras incandescentes, que nos são trazidas por um dos dois homens que hoje nos apoiam, alimentando e cuidando do fogo, abrindo e fechando a porta da tenda. Ao todo serão 28 pedras divididas em quatro portas que simbolizarão as quatro direções, cada uma nos lembrando de algo que está sendo invocado e trabalhado naquele momento: medos, desejos, memórias, traumas, relacionamentos. Quando a porta se fecha, a guia nos fala algumas palavras que nos transportam ali aonde temos que chegar, o vapor muito quente da água levanta e inunda a escuridão em que estamos mergulhadas, a cantoria e o tambor seguram as rédeas do coração, que se acelera um pouquinho mais a cada invocação. Estamos unidas por nossos cantos e histórias, nossas dores e vitórias. Unidas na busca e na coragem.
Temazcal, a tenda de suor, é o útero do qual saímos um dia, o útero para o qual voltamos hoje, simbólica e conscientemente, dispostas a renascer. Saio renovada, como se tivesse me banhado de pura vida. E, de fato, me banhei. Os rituais, as amigas e os amigos espirituais servem para não esquecermos. Para reaprendermos a viver. Plena, grata, renascida, depois de um mergulho na água gelada, deito na grama, me entrego ao céu estreladíssimo. Estou viva. Sinto que estou viva, agradeço por estar viva, reafirmo que estou viva. E refaço o meu compromisso diário de honrar e servir a existência.
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