Na sexta-feira levantei, vesti meu filho e coloquei rapidamente uma roupa qualquer para resolver o que o dia me pedia. Aprendi a aceitar que, no mar de afazeres da vida adulta e supostamente séria, muito deixará a desejar como, por exemplo, minha aparência absurdamente descabelada bem cedo de manhã ou a arrumação do quarto onde tudo ainda está encaixotado e amontoado nos cantos apesar de termos voltado de viagem há duas semanas. Antes mesmo de sair, Mahal me perguntou:
_Mamãe, é hoje que vou fazer o exame de sangue?
_Sim, meu filho, vamos agora para o laboratório fazer o exame de sangue e depois o ultrassom que o médico pediu.
_Mamãe, eu não quero tirar sangue!
_Mahal, você já fez esse exame outras vezes e foi super tranquilo. Lembra que, da vez passada, você até imitou a mamãe, ficou olhando calmamente como a moça enfiava a agulha e retirava o sangue?
_Nãããão! Eu não quero fazer o exame!
É hoje, pensei. Fingi que não entendia o que estava por vir e disse:
_Olha, filho, vamos indo que vai dar tudo certo.
Saímos e ele foi protestando por todo o trajeto. Às vezes esquecia, cantava uma musiquinha, o que me dava um pouco de esperança, mas daqui a pouco repetia o mantra, a cada vez com uma intensidade diferente, como se estivesse ensaiando para uma noite de estreia:
_Mamãe, eu não quero, não quero, não vou fazer o exame.
Finalmente, chegamos ao laboratório, entreguei os documentos e a requisição médica na recepção, paguei pelo exame, caríssimo, por sinal, e não tardou para que duas profissionais de enfermagem nos chamassem. Entramos com ela na saleta branca em que havia apenas uma maca, uma cadeira com uma prancheta acolchoada na frente, para descansar o braço durante o procedimento, e um móvel funcional com gavetas. A luz fria típica dos hospitais azedava o ambiente. Quando elas pediram para Mahal se sentar, entendi que o mau humor dele persistia. Com a teimosia característica dos taurinos e a intensidade bélica dos arianos, ele insistiu, desta vez com ainda mais furor:
_Eu não vou fazer o exame!
Falava com veemência, enquanto ia sendo conduzido para o assento num balé improvável. As enfermeiras heroicas, muito solícitas, acostumadas a escândalos, davam voltinhas ao nosso redor, puxavam daqui, empurravam dali e, logo, estávamos os dois sentados na tal cadeira, ele gritando no meu colo enquanto elas pediam para ele fechar a mão, garroteavam o braço com uma borracha azul e faziam a assepsia da dobra em que mal se via a sombra azulada das veias. Ao fazer tudo isso, usavam as frases aprendidas em anos de prática:
_Ora, o que é isso, você é tão corajoso, já é um homenzinho!
_Vamos lá, é rapidinho, não vai doer nada, é como a picada de um mosquito!
Só que nada adiantava, pelo contrário, a cada palavra ele se tornava mais indócil, estava muito nervoso, quase histérico, e a cena ia ficando cada vez mais tensa. Quando as mulheres me pediram para segurar o braço direito dele enquanto firmavam o esquerdo, de repente, vi o futuro: Mahal puxando o braço, o sangue espirrando para todos os lados, todo mundo estarrecido de susto, o menino berrando ensanguentado, o estado de choque, a fobia impressa na carne. Num segundo de clareza, percebi que aquele era um momento de escolha. Como com todas as decisões, também aquela teria consequências a longo prazo.
_Vamos parar tudo. – eu disse, com calma e firmeza. _Desse jeito não vai dar. Podem deixar que eu vou conversar com ele.
As enfermeiras não protestaram. Pelo visto, estavam pensando a mesma coisa, ainda que estivessem dispostas a fazer o que a função lhes pedia. Entenderam e aceitaram, soltaram o garrote, fizeram um afago no menino, saíram como entraram, nos deixando a sós. A essa altura, Mahal estava aos prantos, o corpo trêmulo e tenso de medo, como um bichinho totalmente vulnerável diante do predador. Eu o abracei, consolei e disse:
_Olha, vamos fazer o ultrassom primeiro.
Era tudo no mesmo local, fomos andando de uma sala para a outra. Aos poucos, ele se recuperava, mas ainda estava magoado, doído, reclamava. Rapidamente, resolvemos a questão do ultrassom. Depois, sentamos na sala de espera e fiquei só ouvindo enquanto ele repetia pela enésima vez o quanto não queria e não ia de jeito nenhum fazer o exame de sangue. Respirei fundo, sem manual de instruções que me indicasse como proceder numa situação daquelas. Ainda que eu detestasse aquela situação, entendi que não podia ceder, mas tampouco podia forçá-lo. Naqueles poucos instantes em que a coisa quase havia acontecido da pior maneira possível, percebi que era exatamente assim que os traumas aconteciam. Se eu tivesse permitido aquela violência, o corpo dele nunca teria esquecido, as próximas vezes poderiam ser ainda muito mais difíceis, e a confiança dele em mim se quebraria.
_Mamãe, estou com fome.
Enfim, uma brecha. Eu havia prometido que iríamos ao café que ele gostava para o desjejum. Aproveitei a oportunidade:
_Eu também, mas não vamos poder comer até fazer o exame.
_Mas eu não vou fazer o exame!
_Então vamos ter que ficar aqui e esperar.
_Mas por que temos que fazer este exame? Eu estou bem!
_Porque você está com alergia e o médico pediu para fazer o exame. É uma forma de prevenir doenças. No laboratório, eles vão examinar seu sangue e dizer o que está bom, o que está faltando, o que pode melhorar. Você quer ser forte e saudável, não quer? – olhei para ele, vi que finalmente estava um pouco mais calmo, e aproveitei para falar: _Mahal, veja bem, tem coisas que queremos fazer e tem coisas que temos que fazer. As coisas que temos que fazer podem ser bem desconfortáveis às vezes. Quanto mais a gente resiste, mais dolorosas elas ficam. Por exemplo, se tivéssemos feito o exame, agora já estaríamos no café comendo algo bem gostoso, mas estamos aqui, morrendo de fome. Se você aceitar que tem que fazer e enfrentar seu medo, a coisa vai acabar rapidinho. Mahal refletiu um pouco e, de repente, se ergueu com um pulo:
_Tá bom, vou fazer o exame.
Sem demonstrar o alívio que eu sentia, como se fosse a coisa mais normal do mundo, acatei a resolução dele. Voltamos calmamente para a mesma sala de antes onde todo o processo se repetiu, uma das moças nos ajeitou na cadeira e preparou seus instrumentos de tortura. Embora ele ainda reclamasse um pouco, dessa vez ouviu as palavras dela e as minhas e deixou que o processo se desenrolasse sem interferir. Quando tudo terminou, olhei para relógio. Duas longas horas tinham passado desde que havíamos chegado ali. Ao fim, Mahal ganhou até um abraço das enfermeiras e um certificado de menino corajoso, que o fez protestar:
_Mas eu não sou corajoso, estava morrendo de medo!
_Coragem, meu filho, não é quando a gente não sente medo, é quando a gente enfrenta o medo.
Mahal entendeu. Orgulhoso, ele saiu mostrando o certificado para todo mundo que encontrava na rua, a vendedora da ótica, a garçonete do café, o motorista da van. Não só ele estava feliz, eu também estava. Diante da escolha entre traumatizar e educar, eu havia abraçado o desafio e optado por educar. Foi muito mais trabalhoso, realmente, mais valeu pena. Ao mesmo tempo, não pude evitar uma certa tristeza por todas as pessoas que não têm os meios, o tempo nem a energia necessária para poderem escolher o caminho do amor.