Curar-se hoje acaba se resumindo a procurar a ajuda de um profissional, tomar algum remédio que ele prescreve, torcer para passarem os sintomas e que não sejam deflagrados outros efeitos colaterais da química que usamos. Funciona mais ou menos bem, é como manter a casa superficialmente limpa, ninguém vê a poeira acumulando sob a cômoda antiga, ou pior ainda, a infestação de cupim, protozoários, fungos, bactérias, nem percebe as paredes ruindo lentamente, até que muitas vezes seja tarde demais. Só que esse momento chega, para muita gente. Nós nos perguntamos o que fizemos de errado ou o que deixamos de fazer, afinal, seguimos o abecedário à risca, fizemos todo o dever de casa, nos portamos como cidadãos exemplares. E aí tentamos mais um e mais outro remédio, nosso corpo vira um laboratório, experimentamos para ver o que ele aceita, qual substância faz com que se cale mais rápido.
A perda de equilíbrio aparentemente temporária envolve apenas uma parte de nós ou toda a nossa forma de caminhar até aqui, nossa postura diante da vida, a maneira de lidar com pequenos incômodos ou negá-los, de novo e de novo, de um jeito ou de outro, até se tornarem imensos? Onde os caminhos da mente e do corpo se desviaram? Muitos podem contestar que essa busca dá trabalho demais, é muito mais fácil engolir uma pílula, e mais uma, e mais uma. De fato. Negar é a estrutura e como fomos treinados para lidar com o que há de mais precioso: nossa própria vida. Não se trata de culpa. É o mal generalizado, de não se ter tempo nem energia para o que realmente importa. Somos sequestrados pela soma de vários nadas que compõem nosso dia a dia e, quando percebemos, viramos nós também um grande vazio que supura.
Curar não é fácil, às vezes é doloroso, pode ser como morrer antes de morrer, quebrar paredes, ir em busca do que está apodrecido, fuçar com foco e delicadeza, até achar os bichos, reconhecê-los em nossos pensamentos e ações, dizer não com firmeza, não para o que não somos, e como dói, afinal, como pudemos nos esquecer? Lá, no fundo, há ainda uma imagem, um sonho, vagamente familiar, tão distante do que nos tornamos. Onde nos perdemos? Quando paramos de suportar o brilho que não nos permitimos ter e viramos as costas para a nossa luz? Qual a dor que, de tanto levar comigo, confundo com uma parte de mim, da qual não consigo me libertar? O que carrego dos meus antepassados que não me pertence? A cura pode ser, e geralmente é, ato de coragem, de ir além do enrijecido e padronizado, de fazer perguntas, procurar por ajuda e seguir o chamado.