Tem coisas que nos acompanham a vida inteira. Para mim, escrever é uma delas. Quando eu era menina e até quase trinta anos, eu escrevia diários, não todos os dias, mas com certeza algumas vezes por semana. Tinha sempre um caderno a tiracolo, onde eu registrava todos ou pelo menos grande parte dos meus devaneios e dramas, era quase uma terapia, um exercício recorrente de autocuidado. O mundo se tornava menos esmagador na contemplação. Cheguei a amontoar muitos desses cadernos em estantes ou caixas, que levava comigo a cada mudança, e, com eles, ia acumulando novos modelos que descobria.
Entre minhas preferências, estavam os cadernos firmes, mas maleáveis no manuseio, pautados e costurados, sem aquela espiral lateral que me parecia volumosa e desconfortável, como se bloqueasse o fluxo das ideias, impedindo as mãos de se espalhar por toda a superfície. A caneta era também um elemento importante, afinal, escrever era uma experiência sensorial, quanto mais deslizasse, mais comunicava aquela sensação de fluidez, o tal transe libertador que todo mundo busca ao se expressar. Sempre gostei das canetas Nanquim ou de ponta porosa, de feltro ou cerâmica, que davam a impressão de escorregar delicadamente pelo papel, permitindo que as palavras surgissem numa dança suave sem perder a precisão, como se a caligrafia recuperasse um pouco da característica original de desenho e arte.
Aos vinte e poucos anos, minha primeira máquina de escrever foi quase um encontro romântico: eu estava passeando por uma loja de departamentos na Itália e, de repente, parei diante de uma pequena máquina portátil, com o coração aos pulos, fiquei ali parada um bom tempo, vendo a mim mesma em futuras viagens com minha inseparável companheira eletrônica, escrevendo histórias ou livros. Minha visão se tornou realidade. Por fim, os computadores chegaram e, com eles, a escrita foi além da linearidade, passou a acompanhar o fluxo mental, indo de trás para frente ou vice-versa, sem a obrigação de conclusões apressadas, de forma aparentemente mais caótica, mas também muito mais flexível.
Houve um momento em que precisei me livrar do peso do passado e queimei a maioria de meus cadernos. Vivi uma morte sofrida, porém necessária ao renascimento que eu me propunha. Eu queria mudar tudo, trocar de pele, arrancar as penas, ser fênix e renascer das cinzas. Abandonei os diários escritos a mão, passei aos exercícios poéticos, poemas, crônicas, romances, livros com elementos biográficos ou relatos autobiográficos. Tive que soltar o que eu pensava e quem eu era, inúmeras vezes me reinventar, alargar o vazio das entrelinhas, me alongar e silenciar, ler mais, ler muito, preencher novos espaços de novas maneiras, aceitar que o que eu não sabia sempre seria muito superior ao que eu poderia saber, enfim, entrei no caminho da dissolução, onde desconstruir era outra forma de construção, aprendendo a desaprender, me rendendo cada dia um pouquinho mais ao mistério.