25 – Bonecos de Papel (Quando as Nuvens Dançam – Reflexões de Quarta-feira)

Está difícil, minha gente.

Difícil viver e difícil morrer.

Não basta dizer que a pessoa precisa de ajuda. Não.

Tem que dar RG, CPF e mais dez mil documentos.

Meu Deus do Céu, é sério isso?

Quem colocou um preço no sofrimento?

Insisto, pergunto, repito.

Tem uma pessoa que está precisando. Muito.

É uma emergência, meu senhor.

É uma emergência, minha senhora.

Estou falando com você.

Você, do posto de saúde.

Você, da assistência social.

Você, da defensoria pública.

Você, do ministério público.

Você, médico, advogado, policial, etc e tal. 

Você da máquina privada ou estatal.

E a resposta é a mesma.

Uma desculpa e uma sugestão.

Um sorriso vazio depois do outro.

Uma peninha disfarçada de atenção. 

Não sei não, não é comigo não.

Já tentou falar com fulano, sicrano, beltrano?

Um olhar raso, a fronte franzida, uma cara de atraso.

Que diz: não ser rico sai caro, querida.

O dinheiro compra tudo, amada. 

Com grana, ela já teria sido ajudada. 

E você explica, persiste, suplica.

Para uma inteligência que sempre foi artificial.

Para quem o valor da vida é pouco e banal.

Para aqueles que se curvam e rendem ao mal.

E o ser humano superficial replica: 

Sinto muito, esse é o procedimento.

Sinto muito, pode demorar até um ano.

Sinto muito, tente outro estabelecimento.

Eu me levanto, olhos nos olhos, não acredito.

Eu choro. Eu choro. Eu choro.

Entende que não somos feitos de papel?

Que não dá para esperar?

Que a pessoa precisa de ajuda?

Não amanhã, não depois, não sei quando?

Sinto muito, essa é a burocracia.

Sinto muito, tem três cópias da certidão?

Sinto muito, tentou a procuradoria? 

Aceita que dói menos.

Vai de fulano em fulano, de sicrano em sicrano.

Mas vai, moça, sai moça, vaza da minha frente. 

A fila tem que andar, não pode parar.

A fila é grande, tem que continuar.

Não é fila de gente, de carne e osso.

É fila de ecos, bonecos de papel.

Agora a senhora entendeu? 

Cada um a sua senha.

Próximo!