As meninas e as mulheres estão despertando, mas não apenas elas. É mesmo hora disso acontecer. A cultura do estupro, que antes considerávamos normal, durou tempo demais. Estupro em todos os sentidos: físico, moral, espiritual. Todos são filhos e filhas do estupro e isso nos marcou indelevelmente. Somos herdeiros de uma longa linhagem de mulheres e homens que foram oprimidos de todas as formas possíveis. Muitos nunca souberam que tinham uma voz, simplesmente acataram tudo que lhes foi imposto pela cultura, sociedade e família. É impossível não carregar uma parte dessa dor e muitas das consequências dela. É um sofrimento que não é só nosso, é da terra, da natureza, da existência como um todo. Como todo ser humano nasce de uma mulher, a verdade é que só isso já basta para termos nascido mutilados e traumatizados por séculos, pois nossa parte mulher, o feminino em cada um de nós, tem sido violentado sistematicamente.
À medida que despertamos, os véus se erguem e liberam nossa visão. Sabíamos racionalmente que estava tudo errado, mas agora não tem mais como negar: estamos vendo, reconhecendo, sentindo, que não dá mais para continuar. A revolução se faz necessária, mas não é mais uma revolução de armas e sangue, é uma revolução de alma. É dizer não para poder dizer sim. Quando um número suficiente de pessoas recusa o mundo que não escolheram, ainda há esperança. Quando olhamos para a vida com olhos frescos, não conseguimos mais nos dobrar a uma realidade que nos reduz a parasitas em um sistema que se auto-condena um pouquinho mais a cada dia. O trem segue em frente, veloz, incessante, inevitavelmente, cada vez mais próximo da colisão, mas nós levantamos e decidimos que vamos fazer o que fazemos da melhor maneira possível para mudar de rumo.
Não é fácil, com certeza, talvez seja a coisa mais difícil que vamos fazer. Quebrar correntes, desengatar, descarrilar. O que quer que precise acontecer, é o que não fizemos ainda. É o desconhecido, o que mais nos assusta. O medo às vezes é tão intenso que acreditamos não estar à altura da tarefa. Pensamos que não conseguiremos sobreviver e pode ser realmente que seja assim, que não tenhamos a força necessária. Ao mesmo tempo, não dá mais para calar as perguntas: o que é viver de verdade? O que estou fazendo agora que não quero mais? O que não estou fazendo agora que desejo tanto, mas não ouso? O que estou aceitando que não posso mais aceitar? Quais são os pequenos passos possíveis para começar a realizar o aparentemente impossível? Como posso aproveitar ao máximo o tempo que me resta viver? Não se trata de ter respostas prontas, mas de deixar as perguntas ressoar por dentro, alongar o pensamento e, por fim, se aventurar em direção ao que somos e não sabemos ainda.
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