(Quando as Nuvens Dançam – Reflexões de Quarta-feira)
A última vez que a encontrei, meu filho e eu estávamos andando pelo centro cheios de compras de supermercado, a caminho da parada de ônibus. Ela encostou e parou o carro, abriu a porta e um sorriso largo:
_ Querem carona?
Ela era motorista de Uber, já tinha nos atendido várias vezes, recentemente fora até o aeroporto buscar parentes meus que estavam chegando da Alemanha. Como dirigir era seu ganha-pão, achei seu gesto especialmente carinhoso. No caminho, ela perguntou sobre a minha família, contou algumas amenidades. Quando nos deixou diante do portão de casa, agradeci e nos olhamos. Meu filho perguntou o nome dela, como costuma fazer repetidamente com pessoas que não encontra muito, e agradeceu também. Trocamos sorrisos, fechamos a porta e ela se foi.
Alguns dias depois, soube por meio de uma conhecida em comum que ela tivera dores no braço e ficara preocupada, já que havia se recuperado de um câncer de mama não muito tempo atrás. Voltara às pressas para São Paulo e falecera, supostamente de um ataque cardíaco, pouco depois de dar entrada no hospital. Nossa conhecida não sabia de muitos mais detalhes e tampouco era importante, não valia a pena importunar a família durante o luto para saber mais. Ficaram o gesto delicado e o sorriso sincero, aquele encontro fortuito que nós não sabíamos que seria o último e, ainda assim, visto através da lupa da morte, fora tão cheio de significados.
Todos os dias a morte toca o nosso mundo, de uma maneira ou outra, entra pela porta ou pela janela, pelo telefone ou pela mídia. Muitas vezes, são pessoas relativamente próximas, como essa moça, que ainda poderia ter tido muitos anos pela frente. No mesmo mês, ouvi sobre um rapaz de vinte anos que teve um acidente no centrinho da cidade voltando de uma festa e deixou todos em estado de choque. Na família de minha funcionária, outro jovem, de uns trinta anos, decidira fazer uma viagem de carro no fim de semana e morrera por um acidente estúpido.
A morte não avisa quando vem, pode ser a qualquer momento. Mas ela vem, inexoravelmente. É a nossa única certeza. Por mais que saibamos disso, parece que não sabemos. Ainda assim, ela está aqui, a cada dia, a cada momento, nos chamando sem parar, perguntando: por que você vive como se nunca fosse morrer? Por que desperdiça tanto tempo com bobagens e se espanta quando chega a sua vez ou dos seus entes queridos? Por que não se maravilha com as pequenas coisas e releva as que não são realmente importantes? Por que não abraça o instante?