23 –  A Pandemia de Blóbis  (Quando as Nuvens Dançam – Reflexões de Quarta-feira)

23 –  A Pandemia de Blóbis  (Quando as Nuvens Dançam – Reflexões de Quarta-feira)

Era uma vez um Blóbi. Ele não era muita coisa, na verdade, era mesmo muito pouco. Um Blóbi qualquer que, por tédio e raiva da própria insignificância, pelo descuido de outro que vivia, como ele, só para sobreviver mais um dia, entrou naquele corpo desavisado. Até aí tudo bem. Quem o recebeu nem percebeu sua presença nefasta e ele seguiu seu caminho, com a alegria dos mesquinhos, sonhando grande e pensando pequenininho. Tudo que ele queria, era comer, crescer, se tornar maior e ser mais e mais dele mesmo. Não queria refletir, aprender, mudar; se sentia perfeitamente bem no mal que conhecia, sendo o que era, coisa errante e aberrante. Queria mesmo era se expandir, por puro despeito, provar que podia: ingerir o mundo, implodir toda vida em gosma repulsiva e comestível, à sua imagem e semelhança, formatar a existência para sua conveniência.

Entrou assim ali, onde a vida mais fluía e o alimento abundava, viajou em órgãos e nervos desprotegidos, numa grande aventura, foi comendo tudo que achava, deixando um rastro, para ele, hilário, de desbarato e estragos, evitando alegremente ataques potentes de macrófagos e neutrófilos, células-soldados e linfócitos, tudo isso sem chamar muita atenção. Afinal, ninguém levaria um Blóbi muito a sério, era só um entre muitos outros que proliferavam, impropério na rede de vitupérios, amaldiçoado entre arrenegados; falsidade na pós-verdade, e passou ele mesmo por apertos até chegar ao lugar mais tranquilo e quentinho, em plena massa cinzenta, não na dele, obviamente, que não a tinha, mas na de quem, avidamente, devorava; onde então se encapsulou e descansou. Logo, recomeçou a trabalhar, diligente e dissimulado, mas cada vez mais aparente, pelo tamanho que se avolumava, pelo brilho alaranjado de quem só abusava, pelas perdas irreparáveis que, sem parar, causava. 

Agora, finalmente no topo, eleito pela dor que prosperava, sonhava com o dia em que daria o grande pulo, expandiria seu império para além das fronteiras da carne que consumia, cresceria incomensuravelmente, tornando-se o soberano não só daquele, como de muitos outros hospedeiros, de todas as carnes pútridas e derradeiras. Que, pouco a pouco, matava quem o abrigava, que ele mesmo poderia morrer caso seu plano não vingasse, que não havia como seguir crescendo eternamente, matando todos no caminho, não importava, era um preço irrisório a pagar diante da possibilidade de esquecer definitivamente a solidão: na delícia da próxima destruição, no frisson de escalar, degrau a degrau, o próprio reflexo sem nexo, no poder sem trégua nem limite, no reinado triste de mais um traste parasita.