41- Carta para Alguém que Desistiu (Quando as Nuvens Dançam – Reflexões de Quarta-feira) 

Meu querido, você desistiu de novo. E quando estava ali, em meio à desistência, a vida quis continuar. Não foi você que decidiu, não foi uma escolha consciente. Foi a vida em você que não aceitou acabar e lutou para seguir respirando. E agora estamos aqui. Vivos. Você me conta um pouco e eu escuto um pouco. Você chama de “punição” o que eu chamo de causas e consequências. Entre nós há silêncios. Há momentos em que calam todas as coisas que não podem nem precisam ser ditas. E sabe do pior? Você não é o único que desistiu. Neste exato momento, em todas as partes, há gente caindo de pura exaustão e tristeza.

Se eu pudesse dizer algo, para você e para eles, tentaria transformar em palavras a dança das nuvens no céu que acompanhei hoje de manhã. Ainda que numerosas, havia sempre um pedacinho de céu que sorria entre elas. Falaria das pessoas que encontrei pelo caminho, enquanto resolvia banalidades necessárias, com quem troquei poucas palavras, mas que levavam todas as dores e todas as alegrias no olhar. Crianças perdidas em corpos adultos. Mencionaria a vastidão que me surpreende sempre, oculta nas pequenas coisas, em meio à loucura generalizada. 

Pena que a fala não resista ao vácuo das ideias feitas. Como abrir janelas onde tudo se fechou? Não há linhas retas no coração. Nem alvos fáceis de mirar. Não há matemática no sentimento, pelo menos não essa que só sabemos pensar. Há, sim, a música. Aquela de que muitas vezes nos esquecemos. Sem ela, viver fica quase impossível. Sem ela, não há nada mais do que esse mundo torto e desértico de homens raivosos e multidões oprimidas. Mas com ela, ah… Com ela, apesar de tudo, graças a tudo, levantamos e dançamos e plantamos. Não importa que não vejamos os frutos nem sentemos na sombra das árvores que conseguimos plantar. O que importa é plantar. Sentamos na areia e construímos castelos de sentidos efêmeros, felizes pelas ondas que os irão levar. 

Sei que faz muito tempo que você não a ouve. A sua música. Tempo demais. Você até mesmo esqueceu que é capaz. Então, eu me sento e faço a única coisa que posso fazer. Chamo por ela. Rezo. Invoco. Recito o que não tem nome. Peço, sem pedir, pois basta ser para existir. Que ela lubrifique os seus olhos, suavize os seus passos, acenda seus sentidos. Que desperte os seus ouvidos. Que murmure o seu nome quantas vezes for necessário até que se abram as nuvens no céu e as asas no centro de sua existência. E na leveza dos pesos que se soltam, que ela possa lavar as dores antigas, as velhas feridas, abrir caminhos e rios que venham curar.