37 – Déjà Vu (Quando as Nuvens Dançam – Reflexões de Quarta-feira) 

Anos atrás, um déjà vu mudou minha vida. Quando eu tinha 16 anos, fiz uma viagem com minha irmã. Resolvemos passar alguns dias em Paris. Para adolescentes que viviam na Alemanha na época, era um destino bem acessível. Daquela viagem ficaram poucas lembranças, além de uma sensação fortíssima de já ter estado aqui, andando pelas ruas da cidade. Nunca voltei a vivenciar o mesmo fenômeno, nem antes nem depois. Eu caminhava e sentia como se conhecesse o lugar, tudo me parecia familiar, era como se eu já tivesse vivido e respirado aquele ar, o que era impossível, pois foi a minha primeira ida para Paris. Sem ter uma explicação racional para o que estava sentindo, pensei que um dia teria que voltar e ficar mais tempo, quem sabe até morar na capital francesa. O que, de fato, acabei fazendo. Aos 30 anos, passei quase um ano na Cidade da Luz e conheci o homem que viria a ser meu marido e pai de meu filho. Hoje, 21 anos depois, aqui estou novamente, com os dois, pela primeira vez com meu filho, e também meu marido, que está preparando uma exposição de arte.

A cada vez que fui embora dessa cidade, não sabia se voltaria. Nos últimos anos, criei raízes na Bahia e, com um filho ainda pequeno, tenho viajado bem menos do que costumava fazer. Ainda assim, é estranho como alguns lugares trazem uma percepção maior de destino. Por alguma razão, estar nesse lugar, chegar até aqui, não parece nem nunca pareceu ser só um fruto de decisões racionais e necessárias, mas evidencia todo um mosaico de escolhas conscientes e inconscientes que pautam os passos e moldam a passagem pela existência. A arte de viver. Nesta cidade, vivi alguns dos momentos mais belos e mais difíceis de minha vida. Vim para cá cheia de sonhos e expectativas, tive grandes encontros e intensas desilusões. Morar aqui foi um dos sonhos que realizei. E o que encontrei em Paris? É curioso, pois quando converso com franceses, para eles é uma cidade como qualquer outra, muito bela, certamente, mas nada de especial. Afinal, viver aqui geralmente é até mais duro do que em outros lugares, pois não deixa der ser, senão a mais cara, uma das cidades mais caras do mundo. Alguns parisienses reconhecem e louvam a beleza única da capital, mas o que há neste lugar, além de muitos monumentos históricos e de algumas das mais incríveis obras de arte do mundo?

Estou aqui, sentada em um parque, pombos ciscam no chão ao meu redor, à minha frente prédios modernos e insossos convivem com a arquitetura mais digna e antiga. Nessa cidade, uma grande revolução se fincou na memória coletiva, litros de sangue foram derramados em nome de ideais elevados e também dos piores vícios. Artistas e escritores do mundo inteiro vieram para cá, amaram e odiaram, criaram e destruíram, se acharam e se perderam e muitos ainda o fazem. Uma parte marcante da história da humanidade respira nessas ruas. É uma cidade onde muitos sonhos nasceram, cresceram, morreram. Não que isso não aconteça em todos os lugares. Acontece sim, pois viver é sonhar. A diferença, provavelmente, vem do tal do déjà vu, muito próximo da paixão, do mistério que ocorre quando nos apaixonamos e o desconhecido de repente se torna conhecido e desejado. Um lar inesperado e tão anelado, mesmo que seja só por alguns momentos, mas ainda assim um lar, reconhecido pela alma. O tal do jogo de espelhos, o sonho dentro do sonho dentro do sonho. Aqui, eu posso sonhar qualquer sonho, mas não exatamente um sonho qualquer. Volto a um ponto de partida e, ao mesmo tempo, me encontro num ponto onde nunca estive antes. Respirando e sonhando. Em Paris.

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